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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

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As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

ZOOM-IN: são os filmes mesmo “baseados em histórias verídicas”?

06.09.17 | Maria Juana

Todos nós gostamos de um bom filme baseado numa história verídica. Quase sempre inspiracionais, com grandes heróis e histórias que nos tocam no coração, são comuns no mundo do cinema.

 

Sobretudo em Hollywood, em que cada filme é uma aposta no sentimento do público, estas histórias são cada vez mais recorrentes.Tornou-se comum vermos pelo menos um filme baseado na realidade nas salas de cinema por semana.

 

Não é de estranhar: sabermos que aquelas histórias aconteceram mesmo faz-nos torcer mais por cada personagem, e até nos identificamos mais facilmente.

 

Além disso, é como se a história ganhasse toda uma credibilidade que não teria se aquela frase não estivesse nos poster. Ou acham mesmo que iam acreditar que a criança foi curada milagrosamente se não soubessem que existiu e aconteceu?

 

 A Evocação, de 2013, é baseado em factos verídicos. A história é baseada nos diários de Ed e Lorraine Warren, investigadores paranormais. Os eventos também já tinham sido contados em livro por uma das habitantes da casa, e testemunha dos eventos.

 

Desde o início do Cinema para as massas que é comum utilizar eventos verídicos como base de enredos e argumentos. A necessidade de levar pessoas às salas, de fazer com que se lembrem dos filmes, ou apenas o querer contar uma história inspiradora são formas de fazer do Cinema uma arte lucrativa.

 

Mas então, é tudo uma jogada?

 

Da psicologia ao marketing

Não necessariamente. Seria errado da minha parte dizer que todos os filmes baseados em factos verídicos foram produzidos com o intuito de vender. É natural que bons profissionais queiram criar boas histórias, e não há melhor inspiração do que a realidade.

 

Porém, é falácia acharmos que a frase “baseado em factos reais” não joga no nosso inconsciente de forma a levar-nos a gostarmos mais de um filme em deterimento de outro puramente imaginado.

 

Ou pelo menos, é errado pensarmos que a sua presença no início do trailer, ou nos posters que encontramos na rua, esteja lá apenas para informar.

 

É natural que saber que algo que aconteceu mesmo nos impressione mais do que a pura imaginação. A imaginação pode fazer-nos elogiar a forma magnífica como está criada, a produção por detrás – vejamos o exemplo de A Origem, de Christopher Nolan.

 

Por outro lado, quando sabemos que aconteceu pensamos sempre primeiro na própria história, os feitos de quem a viveu, e como é que a adaptação pode estar feita. Emocionalmente ficamos mais próximos da ação, chega-nos mais ao coração e vai além do “bolas, isto está muita bem contado!”

 

Mas um filme baseado em factos verídicos não é um documentário, e cabe-nos a nós sabermos onde acaba a fantasia, e começa a realidade.

 

A realidade e a ficção

Dunkirk, o mais recente filme de Christopher Nolan, conseguiu jogar bem com essa dualidade entre realidade e ficção.

 

Nolan construiu um filme assumiadamente baseado no que aconteceu em Dunquerque durante a Segunda Guerra Mundial. Usou os dados que temos todos disponíveis, e as informações conhecidas, para nos dar a história dos sobreviventes, soldados e civis, que fizeram parte da história. Não deu nomes reais às personagens, nem se centrou em eventos que podem ter acontecido.

 

Em vez disso, criou uma ação baseada em personagens-tipo neste contexto, com eventos que algumas testemunhas possam ter vivido. Apesar de não darmos um nome real, as imagens que vemos são representativas do que aconteceu.

 

 Diz-se que O Resgate do Soldado Ryan é inspirado na vida de quatro irmãos que foram destacados para a guerra. Quando três deles perderam a vida, o quarto voltou para casa. 

 

Em entrevista, Nolan afirma que o fez de propósito. Na sua perspetiva, explicar de forma ficionada o que aconteceu em Dunkirk ajuda a que o pública consiga concentrar-se mais emocionalmente nesses eventos, do que se contasse apenas os factos.

 

Em histórias como as de Dunkirk ou O Resgate de Soldado Ryan, de Steven Spielberg, consegue-se jogar melhor com esta dualidade. São formas diferentes de nos dizer que são baseados em factos verídicos, sem perdermos a noção de que se trata mesmo de um evento que aconteceu.

 

Quando falamos em ações ou relações entre pessoas, esta perspetiva pode mudar.

 

Nesse caso, está tudo nas personagens. São elas, as suas ações e palavras, que nos vão convencer de que tudo aquilo é verdadeiro. Sobretudo quando são figuras bem conhecidas, ou das quais temos uma certa perspetiva, é importante sabermos bem como contar o que queremos. Se se dá o caso de não estar bem contada, mais tarde ou mais cedo se saberá.

 

Na minha opinião, é o grande mal de filmes que tentam contar a verdade: nunca sabemos onde acaba a realidade e começa a ficção.

 

Há quem consiga dar-lhe a volta de forma inteligente – como em Victoria e Abdul, o filme de Stephen Frears que estreia no final de setembro.

 

O filme tem suscitado alguma curiosidade precisamente por se tratar de uma relação verídica. A história é baseada no livro com o mesmo nome de Shrabani Basu, que conta a relação entre a Rainha Victoria e Abdul Karim, um jovem indiano que a serviu e acompanhou nos últimos anos de reinado. A relação suscitou críticas e algum constrangimento no seio da família real, e tentou ser apagada até agora.

 

 Pouco se sabia sobre a relação da Rainha Victoria com Abdul, mas isso vai mudar com o filme. Estreia no final de Setembro, e é realizado pelo homem que nos trouxe A Rainha e Philomena.

 

O mais interessante nesta história é que vai ao encontro do que já conhecemos da Rainha Victoria. Judi Dench, que interpreta a monarca, vai repetir o papel que interpretou em Sua Majestade Mrs Brown, de 1997. A história era semelhante: depois da morte do marido, é Mr. Brown, um dos seus criados, que consegue que a rainha recupere a vitalidade.

 

O bom de Victoria e Abdul é que vai conseguir dar-nos os dois lados da moeda: conta-nos uma história real, enquanto mantem viva a consistência e semblante que já associamos à rainha. De uma forma diferente de Dunkirk, joga com a realidade (as relações da Rainha Victoria) e ficção (a interpretação de Judi Dench) sem que uma invalide a outra.

 

Como praticamente toda a gente, gosto de uma bom filme que me conte a realidade. Porém, ao longo dos anos, tenho ficado um pouco desiludida com esta constante necessidade de utilizar a expressão “baseado em factos reais” mais como bandeira de promoção, do que vontade de criar uma boa história. Além disso, contam-se pelos dedos das mãos aquelas que são verdadeiramente reais, e cuja liberdade criativa tem-se em demasiada boa conta.

 

Tenho vindo a gostar mais destes mistos entre realidade e ficção, assumidos mixes. Aconteceu-me com Dunkirk e Moonlight (que foi inspirado pela vida do realizador e argumentista), e penso que me vai acontecer com Victoria e Abdul. Neste último caso, não tanto por achar que a história é ficcionada (apesar de ser apenas baseada nos diários de Abdul), mas mais por achar interessante manter a identidade de Judi Dench enquanto Victoria.

 

E vocês: preferem uma história imaginada, ou aquelas que nos contam a realidade?