ZOOM-IN: o culto dos filmes maus – o caso The Room
Há espaço para tudo no cinema: filmes pipoca, filmes intelectuais, filmes que não percebemos mas de que gostamos, até filmes para crianças que são visto maioriatariamente por adultos. No meio de tudo isso, ainda existe espaço para filmes tão maus, mas tão maus, que não resistimos a ver mesmo quando sabemos o quão maus são.
Os casos Sharknado ou Scary Movie são ótimos exemplos disso. No fundo, são filmes que adoram gozar com os grandes sucessos de Hollywood, mas que a única coisa boa que têm são as gargalhadas que damos quando os vemos. Mas esse são feitos maus deliberadamente.
Depois, há ainda aqueles que foram produzidos para serem grandes obras, mas que acabaram por se tornar exemplos de tudo o que não deve ser feito no cinema.
É o caso de The Room, o filme de 2003 produzido, escrito e realizado por Tommy Wiseau.
Fiquei a conhecer The Room quando dei de caras com o trailer de The Disaster Artist, o novo filme de James Franco e Seth Rogan que nos dá a conhecer tudo o que aconteceu na sua produção. É uma viagem à rodagem do filme, baseada no livro com o mesmo nome de Greg Sestero, um dos protagonistas de The Room, e amigo de Wiseau.
Fiquei pasmada. Fui pesquisar mais sobre The Room, e soube que tinha mesmo de ver este filme. Sobretudo porque era suposto ser uma história dramática, transformada em comédia, que todos os anos leva fãs à loucura em exibições exclusivas. São Comic-Cons para fãs.
A oportunidade chegou no último sábado, no Espaço Nimas em Lisboa, na última exibição das Sessões de Culto idealizadas por Filipe Melo.
E que experiência.
Mas filmes maus porquê?
Já lá vamos ao que aconteceu. Por agora, coloca-se uma questão importante: se não repetimos quando vamos a um restaurante mau, ou deixamos de lado um livro mal escrito, porque é que continuamos a ver filmes maus?
A questão foi colocada a Sestero por um membro do público no último sábado. Sestero deu uma resposta que, parafraseando, dizia que a sua opinião é que nos divertem, não por serem maus, mas por acharmos divertido. Um filme é o que é, e só gostamos dele se retirarmos de lá alguma coisa.
Estudos e opiniões à parte, eu concordo com Sestero. Existe quase uma pressão para assistir apenas a bons filmes – feita por nós, e por toda a massa crítica que nos impinge os bons filmes, e diz que os maus não valem a pena.
O que é totalmente aceitável – até eu o faço.
Porém, quando surgem filmes como The Room, a pressão é inversa: tu tens de ver isto porque é tão mau que te vais rir a bom rir.
São experiências diferentes, que nos ajudam a descomprimir. Sobretudo porque, nestes casos, são filmes feitos e produzidos para serem apreciados, mas aquilo que apreciamos são as suas falhas, não as suas conquistas.
Para mim, a diferença entre The Room e outros como Sharknado e Scary Movie é precisamente o seu propósito. Enquanto que os segundos são comédias disfarçadas de outra coisa, o primeiro é outra coisa que, por obra do destino, se tornou uma comédia. Mas a culpa é toda nossa.
Sobre The Room
Para Wiseau, The Room era suposto ser um drama triste sobre um homem bem sucedido, cuja noiva o trai com o seu melhor amigo. É sobre um homem que vê os seus sonhos e objetivos a desmonorarem, num subtil (e nada lisonjeiro) piscar de olho a Um Elétrico Chamado Desejo.
É também, nas palavras de Sestero (que interpreta Mark, o melhor amigo traidor), um filme sobre sonhos. Wiseau quis ser ator, mas Hollywood não lhe deu oportunidade. Então, ele fez aquilo que todo o bom empreendedor tenta: fez o seu próprio filme para esfregar na cara de Hollywood.
É claro que não resultou. O filme custou 6 milhões de dólares, mas conseguiu apenas pouco mais de 1800 em receitas de bilheteira. A meio da sessão de estreia foram muitas as pessoas que abandonaram a sala. A Entertaintment Weekly chegou a chamar-lhe o Citizen Kane dos maus filmes.
São mesmo poucas as coisas boas neste filme. Os diálogos são maus, com personagens a entrar e a sair, sempre introduzidas por um Olá e Adeus. O argumento é mau, com cenas que não fazem sentido no meio da trama, sem contexto, com personagens que não conhecemos que aparecem do nada e se tornam relevantes, e acontecimentos totalmente aleatórios. A própria produção e realização são, no mínimo, questionáveis, com planos estranhos e escolhas técnicas que não lembram ao menino Jesus.
The Room é um conjunto de aleatoriedades. A única coisa que faz sentido em todo o filme é que, de uma forma um pouco poética, a primeira e a última cena até fazem sentido juntas. De resto, não há nada ali que faça sentido. Basicamente, Wiseau começou a escrever uma história, que na cabeça dele fazia sentido, e decidiu chamar-lhe um argumento de filme. #sqn
Mas tornou-se um sucesso. “Após catorze anos tens de dizer que é um sucesso. O público quer ver o ‘The Room’ catorze anos depois. É admirável,” disse Sestero ao Observador.
E o sucesso é medido pela quantidade de gente que ainda o vê. No sábado, tal como acontece em praticamente todos os screanings para fãs, houve comentários ao longo do filme, e até choveram colheres (porque em várias das cenas se veem molduras com fotos de colheres). Durante as cenas de sexo, tiradas de verdadeiros videoclips dos anos 90, os telefones ligaram e acompanhámos a música. Em cenas específicas, tiradas de um guia de visionamento partilhado com todo o público, gritámos com as personagens e acompanhámos o seu “diálogo”.
Foi uma das experiências mais alucinantes que vivi numa sala de cinema.
GALERIA: (1) foram distribuídas colheres para "utilizar" durante o filme. (3) As cenas de sexo foram acompanhadas pela plateia, (3) e Greg Sestero ainda encenou algumas cenas do argumento original com membros da público (para mostrar que podia ser pior).
Naquela sala, todos estavam unidos pela certeza de que é um filme pobremente produzido, mas divertimo-nos à brava. E na minha humilde opinião, este sentimento de unidade é uma das mais bonitas formas de ver cinema – mesmo quando estamos todos a gozar com o trabalho dos outros.
É quase uma perspetiva sádica da coisa. Porque estamos mesmo a gozar com o trabalho de alguém, que sonhava em ser uma estrela.
Há sua própria maneira, Wiseau tornou-se uma estrela. Em circulos como o que se viveu no Nimas, e se vive um pouco por todo o mundo, ele é uma estrela dos filmes que são exemplo do mau cinema. Mas um mau cinema que nos une.
São experiências. Experiências que nos mostram que às vezes só precisamos de momentos assim para descomprimir do stress do dia a dia, e dos filmes perfeitos que os críticos nos impingem.
Posso impingir um mau, para variar?