Sobre Amour, Emmanuelle Riva, e as inevitabilidades da vida
Corria o ano de 2012 quando um filme de língua francesa foi nomeado para os Óscares. Eu, na minha ânsia de conseguir ver todos os filmes nomeados, fui assistir. Ainda por cima era escrito e realizado por um mestre que tinha passado a adorar anos antes, Michael Haneke. Os seus filmes tinham a capacidade de entrar dentro de mim como poucos o conseguiam, e achava que este Amour não seria diferente.
À sua maneira, foi totalmente diferente.
Depois de assistir a Amour pela primeira vez, fiquei sem palavras. Aquela história de amor entre um casal já velho fez-me novamente acreditar que sim, o amor até à morte é possível. A sua luta, e acima de tudo, a sua entrega, ficaram de tal forma gravadas na minha mente que nunca mais consegui rever este filme. É uma história intensa, gravada com um ambiente que raramente encontro.
Fisicamente, não consigo rever Amour. Mesmo assim, digo com toda a franqueza que é um dos filmes da minha vida, que moldou a forma como vejo Cinema, e que me fez pensar nisto que é a vida de uma perspetiva diferente.
Há muito que não pensava em Amour. Apesar de ser tão próximo do meu coração, poucas são as vezes que me atrevo a tê-lo tão próximo de mim. Mas pela primeira vez em quatro anos tive vontade de o rever - e talvez até uma certa necessidade. É que descobri que a protagonista, Emmanulle Riva, faleceu aos 87 anos de idade.
Riva foi a mais velha atriz a receber uma nomeação para um Óscar da Academia, precisamente por causa de Amour. Foi um portento do Cinema francês e internacional, se bem que, para mim, será sempre no papel de Anne que a vou recordar.
Porque há filmes e papéis que nos fazem isso: ficam de tal forma gravados na nossa mente, que dificilmente vamos pensar em todo o espólio que deixaram. Aconteceu-me com Alan Rickman e até John Hurt, que partiu com algumas horas de distância de Riva.
John Hurt, aqui no papel de Ollivander, em Harry Potter, faleceu no mesmo dia de Emmanuelle Riva.
Com Amour, Riva fez-nos ver a fragilidade da pessoa humana, mas como o seu espírito pode continuar forte e ativo. Apenas com uma expressão facial (ou melhor, a falta dela), vemos tanto mais do que uma pessoa doente.
Todos sabemos que não vamos viver para sempre. A morte, essa palavra feia e negra, é a única certeza que temos na vida - mais cedo ou mais tarde, vai bater-nos à porta.
Tenho aprendido a aceitar a morte ao longo do tempo. Não porque já assisti à sua chegada de perto muitas vezes, mas porque as experiências que tive me mostraram que aceitá-la é o primeiro passo para nós próprios nos prepararmos para o destino.
Amour, mais do que uma história de amor, é também um testemunho de aceitação da morte e do seu destino. É a realização de que, há alturas da nossa vida, em que já fizemos tudo o que havia para ser feito.
Não sei se Riva fez tudo o que queria. Nem sei se partiu com a serenidade da sua personagem. No entanto, terei para sempre na memória aquela lição que nos deixou em Amour. E para mim, será sempre a Anne que transmitiu mais emoções sem dizer uma palavra, do que autênticos monólogos que aparecem por aí.
Aos que partem, obrigada.