REWIND: o mês em que estreou Filadélfia
Dezembro é um mês importante. É o mês de celebrar a família, a paz e o amor; é o mês de recordar um ano, e estabelecer objetivos para o que aí vem; e é um mês para nos sentirmos gratos por toda a nossa felicidade.
Para muitos, é também um mês de sensibilização. É a 1 de dezembro que se celebra o Dia Mundial da Luta Contra a SIDA, com o propósito de lutar contra a descriminação daqueles que vivem com o vírus HIV, e promover o seu estudo e direitos.
Coincidência ou não, foi também em dezembro que foi lançado, em 1993, um dos filmes que mais abalou o mundo no que toca à SIDA e HIV nos anos 90: Filadélfia, protagonizado por Tom Hanks e Denzel Washington. A história, simples como é, foi polémica: Hanks interpretava Andrew Beckett, um advogado que processa a sua antiga firma porque foi despedido quando se descobriu que tinha SIDA. Para o defender contrata Joe Miller, um advogado negro e homofóbico.
Um filme com esta temático, em pleno anos 90, foi um risco. A mentalidade não era tão aberta quanto o é hoje (ou melhor, ainda menos). A SIDA começava a ser um assunto conhecido e falado um pouco por todo o mundo. Em Portugal, António Variações morria em 1984 naquele que seria o primeiro caso conhecido no país; em 88, foi celebrado o primeiro Dia Mundial Contra a SIDA; em 1991, Freddy Mercury morria de SIDA, depois de anos a especular se teria ou não o vírus do HIV.
Filadélfia veio despertar as mentalidades. Não só porque falava da SIDA enquanto doença que pode ser evitada, e é tão perigosa como tantas outras, mas também porque queria desmistificar uma das crenças mais associadas a este vírus: não, o HIV não é um vírus que afeta apenas homossexuais.
Penso que, ao longo de todo o filme, esta possa ser uma das mensagens mais importantes. Não nos podemos esquecer que, durante muito tempo, o HIV foi quase a lepra do século XX: se eras homossexual, de certeza que ias apanhar o vírus mais cedo ou mais tarde.
Filadélfia veio explicar um pouco de como é que acontece, mas que não é algo exclusivo. Para isso, foi muito importante ter um argumento muito bem desenvolvido, e atores que pegaram nas suas personagens e deram tudo o que tinham.
Tom Hanks faz uma viagem de advogado bem sucedido, a um homem debilitado e às portas da morte. Ao longo de um filme, consegue transmitir tantas emoções, que estamos numa verdadeira montanha-russa - e até lhe valeu o Óscar de Melhor Ator.
Não é o único, mas é o mais poderoso. É claro que Denzel Washington faz uma viagem igualmente importante, passando de homofóbico a alguém que se sente próximo da causa de Beckett, e dos seus motivos.
Mas lá está: toda a construção mostra-nos que não, isto não é um problema só de homossexuais. É um problema de pessoas, que a qualquer momento podem contrair o vírus, e podem ficar doentes. O argumento tentou mostrar essa visão, e dar a conhecer outros casos tão importantes quanto o de Beckett.
Se resultou ou não, isso é outra conversa. A verdade é que continuamos a viver num mundo em que a homofobia existe, e em que a SIDA continua a ser vista como um bicho papão.
E é. É uma doença perigosa, que põe vidas em risco, e que mesmo com toda a informação e sensibilização, continua a existir. Em alguns países, violações e relações desprotegidas devido à falta de contraceptivos fazem com que os números de portadores de HIV continuem a aumentar.
Desde 1993 e o lançamento de Filadélfia, muito mudou. As mentalidades mudaram, e talvez a doença tenha deixado de ser vista como uma sentença de morte para todos os homossexuais. Da mesma forma, os portadores do vírus HIV podem levar uma vida razoavelmente normal, comparado com o que acontecia há décadas atrás.
A informação está em todo o lado. Abrimos o computador, ligamos o telemóvel ou o tablet, e temos acesso a estatísticas, dados, formas de evitar e tanto mais. Isso não acontecia em 1993. Tudo estava meio escondido, tudo era um pouco desconhecido. Filadélfia pode não ter sido o primeiro, ou o mais importante, mas marcou a diferença, e marcou o mês de dezembro de 1993.
Hoje podemos fazer a diferença. E ainda bem.