Porque é que toda a gente está a falar sobre Marriage Story
Às vezes não é fácil encontrar as palavras certas para falar sobre um filme - na verdade, para falar sobre o que quer que seja. Sinto dificuldade em descrever o que penso sobre uma série de coisas, o que sei ser meio contraditório com esta minha vontade de falar e escrever sobre filmes. Na minha experiência, existem dois tipos de filmes: aqueles que me tiram o fôlego de tal forma que não faço ideia do que escrever sobre eles, e agora que me tiram o fôlego e percebo imediatamente porquê.
Marriage Story é um claro caso da primeira situação. Assisti com atenção, focada, e estou há 3 dias a pensar e repensar sobre tudo o que senti na altura. Não houve lágrimas, ao contrário do que muitos relatam, mas estranhamente senti o coração leve, tranquilo e sossegado.
Não é aquilo que tenho lido sobre o filme, e já li muita coisa. Nos últimos tempos, a par de O Irlandês (que ainda não vi porque não encontro três horas e meia dentro dos meus horários) é um dos filmes mais falados e elogiados. É dos filmes com mais nomeações para os Globos de Ouro, o que é surpreendente quando todos estavam a fazer apostas seguras e mais ou menos certas do que aí vinha. Já li opiniões no Instagram, no Twitter, em orgãos de comunicação social, numa daquelas raras situações em que todos somos cineastas e percebemos de Cinema - pessoalmente eu gosto destas situações, mas normalmente não é com filmes como Marriage Story que acontece.
Não é um filme propriamente comercial, se bem que a facilidade de estar disponível no Netflix o torne mais acessível a quem, normalmente, não pagaria um bilhete de cinema para assistir no cinema. É uma história mais introspetiva, mais sincera, mais calma do que os grossing movies que costumam preencher páginas e páginas nas redes sociais.
Mas ainda bem que assim.
Voltando ao meu coração, ficou sossegado e tranquilo. Ficou ciente de que isto do amor é como a minha capacidade para a escrita: ou é muito fácil, ou é o mais difícil de conseguir. E ambas as situações são verdadeiras e de louvar.
Esta não é uma história sobre um casamento feliz, nem tão pouco sobre a relação perfeita. É sobre um divórcio, sobre duas pessoas que escolheram um caminho muito claro e que, por circunstâncias da vida, se viram a afastar desse caminho e, consequentemente, uma da outra. Quando acharam que o amor seria para sempre, descobriram que isto do amor tem várias formas e possibilidades e que nem tudo vive sempre preto no branco.
Vivo assustada com esta volatilidade do amor; é quase efémero, este sentimento que um dia pode cá estar e outro dia não - lembram-se da banana que foi vendida por 120 mil dólares e depois foi comida numa ato de demonstrar a efemeridade da arte? Vejo o amor assim, efémero, no sentido em que rapidamente podemos abrir os olhos e escapar desta bolha em que estamos apaixonados. Enfatuados com e por alguém. Vivo assustada com a ideia de que posso acordar, olhar para o lado e perceber que tudo o que sinto fugiu - ou pior, que fugiu dele.
A história escrita por Noah Baumbach tem o dom de nos mostrar que por entre um desses momentos existe tanto mais, que na verdade esse é apenas um pedaço do caminho. Marriage Story pega numa família que se está a desencontrar para mostrar que de todas as formas de amor, algumas são eternas ao ponto de se transformarem, de chegarem a um caminho alternativo que culmina numa outra realidade.
Charlie e Nicole vivem nesta dualidade entre o amor e o ódio. Por que motivo foi, houve amor entre eles, houve escolhas e desistências e realidades que tiveram de escolher para poderem ficar juntos enquanto fez sentido. Mas também houve uma vontade imensa de se desencontrarem, de fugirem um do outro e daquele amor que talvez já não o fosse. Mas o melhor é que nesta descoberta, nesta sua vontade de escape, houve a realização de que as eternidades são, nelas próprias, finitas e transformadas todos os dias.
O que Marriage Story consegue é mostrar-nos a crueza e elegância de duas pessoas que já não estão bem uma com a outra; que percebem que o seu caminho chegou ao fim e que querem distância; que discutem, falam, berram, e que também ficam em silêncio.
É um filme que não vive só do diálogo, mas também da coreografia entre as personagens, de quem está em pé ou sentado, de quem se move. Assistimos a uma peça de teatro através da televisão, pensando sempre que o murro no estômago que levamos quando vemos a efemeridade dos sentimentos é real.
Mas o meu coração ficou tranquilo. Ao contrário de outras histórias e filmes que o deixam mais acelerado por estar a testemunhar o fim de uma relação, Marriage Story parece tão cru e real que acalmou a minha ânsia. Aceitei a possibilidade de chegar um final, ganhando certeza de que a importância de estarmos confortáveis com o hoje é o mais importante neste percurso.
Em conclusão, Marriage Story é como uma dança contemporânea a que assistimos sem sabermos bem o que significa. Vamos vendo, juntamos aqui e ali uma ou outra peça do puzzle, e encontramos algo que nos toca ou diz mais do que outra. Para muitos, esta realidade do divórcio foi a beleza da história de Baumbach e aquilo que lhe conferiu a força que tem, esta noção de amor e ódio que se reinventa todos os dias. Mas para mim foi um esclarecimento em como a realidade tem várias camadas: existem as que vemos e as que ficam escondidas, perdidas até as encontrarmos. Enquanto as de cima estão bem, as restantes estão a aguardar a sua chegada e pode ser até que nunca chegue o dia em que será necessária a sua revelação.
A elegância da vida está em como nem todos somos iguais, nem todas as relações seguem os mesmos padrões e temos todos uma palavra a dizer sobre o amor que sentimos.