Onde vai parar o Cinema?
Não é notícia, mas para os mais distraídos, ainda vivemos sobre os ditames e limitações de uma pandemia global. Apesar do levantamento do Estado de Emergência no nosso país (que, para os que andam distraídos, em nada significa que já podemos voltar às nossas vidinhas normais fora de casa), o isolamento social quando possível continua a ser aconselhado um pouco por todo o mundo. Aos poucos, é verdade, a Economia quer-se recomposta, mas estes 2 últimos meses já ditaram graves consequências para vários setores e família em todo o mundo.
Entristece-me ler as notícias, como se regressámos ao nosso Portugal de há 10 ou 15 anos. Foram anos complicados, em que nos deparamos com várias dificuldades das quais muitos de nós ainda estão a recuperar. E agora, o que farão os que regressam ao desemprego, às ajudas do Estado, à solidariedade?
É por este pesar que me culpabilizo um pouco por ousar escrever algo tão… distante. Este blog, apesar de ser sobretudo sobre Cinema, é também uma forma de expressão e desabafo e muito do que escrevo vem mais do interior do que da mera análise cinematográfica. Sinto por isso estranho dizer que a vida continua quando não sabemos ainda em que moldes, em que situações e nem o quando está muito certo… Para mim, não será certamente junho e muito menos maio, pois o mero pensamento em entrar num transporte público (que utilizo diariamente para ir para o trabalho) me causa ansiedade.
Mas a verdade é essa: a vida continuará um dia. E quando acontecer, teremos de apanhar os cacos da pandemia que nos partiu a vida. O Cinema, enquanto indústria e negócio, não é diferente.
Cinema em tempos de pandemia global
Como tantos outros negócios e espaços públicos, as salas de cinema foram obrigadas a fechar. Ainda antes disso, já estavam com lugares limitados, com o público a ver-se obrigado a sentar-se com vários lugares de distância e salas apenas com um terço da lotação.
E como em todas as indústrias, o isolamento social voluntário e obrigatório levou a um rombo sem precedentes.
Não apenas no número de pessoas nas salas (que ficou reduzido a nada), mas sobretudo as produções que já estavam prontas a estrear, as que estavam em desenvolvimento e aquelas que estavam mesmo a começar.
Estão a imaginar o caos que estará o calendário de estreias dos próximos meses? Uma interrupção do calendário leva a que todas as estreias tenham de ser adiadas. Com esse adiamento, são adiadas todas as produções que, apesar de ainda não estarem concluídas, tinham já datas de estreia marcadas - uma regra que muitos estúdios agora seguem para grandes produções. As distribuidoras continuam a ter um número limitado de salas, por isso estes calendários são muito importantes - caso contrário, teríamos pouco espaço para todas as. estreias.
Além disso, várias produções foram interrompidas ou canceladas. Isso torna-se um problema, não apenas para o calendário que passa a não conseguir ser respeitado (desencadeando adiamentos atrás de adiamentos), mas sobretudo para quem trabalha. Como recebem as equipas técnicas, os atores, os editores?
Muitos (talvez a grande maioria), infelizmente não recebem.
E se não há receitas, não há capacidade de investimento no futuro, criando um impasse cada vez maior.
E agora?
Semelhante a tantos outros negócios, a reinvenção do Cinema não é fácil - não apenas na venda direta de receita, mas na sua produção. Tudo depende de pessoas, desde quem grava, a quem interpreta, dirige ou produz, a quem assiste. Sem pessoas, não há Cinema.
Agora, com tantas limitações, novas formas começam a surgir. Os Drive-ins voltam a ser uma solução atrativa, pois permitem assistir a um filme num ambiente semelhante ao de uma sala, mas cumprindo as normas do distanciamento social. Alguns estúdios começam a procurar outras soluções, como a estreia de novos filmes em Video On Demand- talvez a solução menos consensual, pois apesar de permitir aos estúdios reaver algum do seu investimento, retira às salas e aos distribuidores a possibilidade de comunicar e vender bilhetes para estreias exclusivas.
Até a Academia de Cinema norte-americana já anunciou que, pela primeira vez na História, vai permitir a nomeação de filmes que tenham ido diretamente para plataformas de streaming e não tenham passado no cinema. E com festivais como Cannes e Sundance cancelados, a própria promoção ficou um passo atrás.
Nenhuma das soluções será consensual, nem tão pouco serão as ideias para todas as partes do negócio. Mesmo existindo soluções para os distribuidores e estúdios, as produções continuarão paradas até ordem em contrário. Sem produções, não há novos filmes, não há novas receitas, não há trabalho para as equipas.
E as soluções nem sempre são fáceis de encontrar.
O futuro próximo
Para já, tudo isto em águas de bacalhau. Em Portugal, o Governo anunciou a abertura de salas de cinema e de espetáculo para junho, mas com lotação limitada e com distanciamento entre lugares e pessoas. No estrangeiro, a situação é semelhante, se bem que com timings diferentes.
Vários estúdios anunciaram já novas datas de estreia, não só para os filmes que não puderam estrear estes meses, mas também para aqueles cuja produção teve de ser interrompida. Marvel, DC e Disney tiveram também de adiar os restantes calendários, que já tinham estreias previstas para 202.
O futuro está incerto para todos. Para todos, o regresso à vida normal parece ainda uma pequena ilusão, momento incerto em que não sabemos bem o que vai acontecer. E se parece OK termos de usar máscara no supermercado, não há máscara que valha a atores que precisam dar o corpo às balas. Já a mim, por muito que me digam que as salas de cinema são desinfetadas no final de cada sessão, nada me dá confiança suficiente para conseguir ir sem ansiedade.
O que nos reserva o futuro? Incertezas muitas.