O dia em que o Padrinho lutou pelo direito dos indígenas
A 27 de Março de 1973, Hollywood acordou repleto de expectativa: nessa noite, teria lugar mais uma edição dos Óscares da Academia. Mas não seria uma noite como as outras: O Padrinho, uma das obras-primas de Francis Ford Coppola, liderava as nomeações e acabaria por se consagrar um dos vencedores da noite. E também um dos mais polémicos.
Não porque três dos seus atores estavam nomeados para Melhor Ator Secundário; não porque Coppola, depois de um dos trabalhos mais completos do Cinema, ter perdido a estatueta; e não por O Padrinho ter acabado por ganhar Melhor Filme… mas porque Marlon Brando, o eterno Don Corleone, recusou o prémio em defesa dos direitos dos nativo-americanos.
Quando Liv Ullmann e Roger Moore disseram o seu nome, todos esperavam ver a sua figura a levantar-se e subir ao palco, para o usual discurso de agradecimento. Mas não: Brando não estava presente (como tinha sido recorrente nas edições anteriores), e no seu lugar veio Sacheen Littlefeather, uma indígena norte-americana que muito rapidamente explicou que o ator não aceitava o prémio, devido à forma como os nativos eram destratados na indústria cinematográfica.
Houve boo’s. Houve críticas e palavras menos agradáveis para com Brando, sobretudo porque este foi o prémio que veio consagrar o ator. Não era o primeiro Óscar: Brando já tinha ganho em 1955 por Há Lodo no Cais, apenas cinco anos depois do início da sua carreira de relevo, e três depois da sua primeira nomeação (uma por cada ano).
No entanto, a sua carreira tinha entrado em declínio nos anos 60, com a participação em filmes que não foram bem recebidos pela crítica; Brando sofrera uma grande perda na sua vida, e começava a olhar para a indústria com desconfiança. O Padrinho mostrou-se como um novo fôlego, e a prova necessária para demonstrar que Brando continuava a ser um dos melhores atores da sua geração.
De sempre, diria eu. A primeira vez que me deparei com o seu semblante carregado foi precisamente em O Padrinho, e é impossível não associar a sua expressão a Corleone. É Brando que reconheço como o verdadeiro Jor-El, o pai do Super-Homem (Russell Crowe, adorei a tua tentativa, mas não há como suplantar o mestre), e é Brando que ainda oiço a gritar por Stella cheio de mágoa e desespero.
Com aquela voz característica e papéis que parecia levar mais a sério do que aqueles que o rodeavam (uma ironia, já que o ator nunca levou a profissão a sério), Brando pegava num guião e tornava-o seu. Ninguém nega que O Padrinho seja um dos filmes mais completos do século XX, nem que muito se deve ao trabalho de Coppola e dos seus atores. Mas a verdade é que, sem Vito, sem as suas bochechas e gesto criados por Brando, o Don não seria o Don.
A 27 de março de 1973, Marlon Brando recusou aceitar uma das provas daquilo que todos sabemos: a sua interpretação de Don Corleone foi das melhores de sempre, e uma das mais memoráveis. Muitos dizem que o terá feito por despeito, outros que Corleone lhe subiu à cabeça e não passou de um golpe publicitário para demonstrar superioridade.
Não quero acreditar em nenhuma delas. De facto, pouco me importa que tenha recusado. Se bem que este dia ficou para a História do Cinema devido à sua nega face à Academia, eu gosto de recordá-lo por aquilo que é: o dia em que Marlon Brando foi reconhecido como um ator de excelência, numa das melhores interpretações da sua carreira.
Ele diz que quis apoiar a visibilidade dos nativo-americanos. Muito bem, que seja. Para mim, foi o dia em que o Padrinho de todos nós mostrou mesmo que não estava à mercê de Hollywood. E ainda bem, porque anos depois trouxe-nos uma das personagens mais enigmáticas e estranhas do Cinema: Kurtz, em Apocalipse Now. Quem souber explicá-la, que ponha a mão no ar!
Marlon, onde quer que estejas, deixa lá o que dizem. Obrigada por me fazeres uma proposta que ainda hoje não consigo recusar.