O Cinema não acontece só no ecrã gigante
24.01.17 | Maria Juana
Muitos começam os seus textos sobre o mundo contemporâneo a dizer que o mundo mudou. Que a internet trouxe-nos boas e más oportunidades, que andamos todos loucos, e que as redes sociais são um antro de praticamente tudo o que bem custe de errado com a sociedade ocidental.
Não confirmo nem desminto. Não sou eu a responsável por ter de analisar tudo isso, é confirmar se estamos a ir num bom ou mau caminho. O que sei é que as coisas mudaram, e isso não é necessariamente mau.
Ainda há dias, a minha avó contava-me que na sua meninice era caríssimo ir ao cinema. Ela é os irmãos lá conseguiam esgueirar-se depois do início da sessão, porque conheciam o porteiro. Mesmo sem saber ler, ela assistiu e ficou maravilhada com filmes sobre a vida de Cristo, e outros tantos que lhe surgiram.
Hoje, ir ao cinema pode ser tão simples quanto abrir o computador e inserir uma palavra passe. E não falo daqueles sites que todos conhecemos e adoramos ter acesso, em que não pagamos exatamente uma subscrição.
A semana passada, estreou no Sundance Film Festival um filme chamado The Discovery. Tem tudo para me querer numa sala e cinema: Rooney Mara, Jason Segel e Robert Redford no elenco, e uma história de amor que se passa um ano antes de se provar a existência da vida depois da morte. O trailer interessou-me imenso, e já o pus na minha lista.
Mas não para ver numa sala, como tradicionalmente o fazemos. É sim para ver no Netflix, já a partir de dia 31 de março.
Filmes produzidos apenas para televisão não são uma novidade. A maioria dos filmes com chancela Disney que vimos na nossa infância (quem nunca viu Zenon, A Rapariga do Século XXI não sabe o que perdeu) foram feitos para estrear no canal, bem como muitos outros. Nem é este o primeiro filme filme Netflix. A questão é que agora os níveis de produção e comunicação estão muito mais avançados.
The Discovery não foi só um filme produzido para o Netflix. É sim, mas também é um filme que estreou num dos mais importantes festivais de cinema independente do mundo. Como The Discovery, já não são apenas filmes produzidos para a internet: são Cinema.
Tudo mudou, penso eu, em 2015, quando também no Netflix estreou aquele que muitos críticos consideraram o melhor filme do ano: Beasts of no Nation. A história e a interpretação de Idris Elba foram elogiados em todo o mundo, mas todos se esqueceram na altura de entregar um prémio. Claro que ajudou o facto de a award season de 2016 ter sido uma das mais brancas de que há memória. Mas o Netflix tinha criado uma baliza que dificilmente conseguirá fazer desaparecer.
É bom viver num mundo em que as produções ganham novas asas, e nos permitem encontrar importantes peças de Cinema em qualquer lado. Nas salas, na TV ou na internet, o meio é pouco relevante quando temos tão bons filmes a estrear.
Não acredito que as salas vão morrer um dia. Elas têm a sua magia, e continuam a atrair cada vez mais pessoas, porque há filmes que só se veem num ecrã gigante. Mas o melhor é que isso já não é regra, e um bom filme pode estrear em qualquer lado.
Gosto da liberdade de, a 31 de março, poder assistir a The Discovery na minha pausa de almoço. E mesmo assim, é como se tivesse ido à sua estreia na sala de cinema. Gosto das opções, e da variedade que temos cada vez mais.
Por isso, para aqueles que estão a estudar se isto da internet é bom ou mau, fica a dica: é melhor do que ficar agarrada a uma só (e pobre) opção.