Eight Days a Week: fomos nós quem destruiu os Beatles
Não existe banda na história da música que consiga rivalizar com os Beatles. E não estou a falar da sua música - falo mesmo do fenómeno, dos milhões de fãs, e das milhares de raparigas que gritavam e puxavam os cabelos para conseguirem ver os quatro magníficos.
Na década de 1960, não havia redes sociais, nem Youtube, nem nada que o valha. Os Beatles davam a conhecer a sua música através da rádio, e fazendo aquilo que mais gostavam: tocar ao vivo.
Podem dizer que hoje temos acampamentos às portas das salas de espetáculos, e miúdas que choram porque o Justin Bieber vai cantar. Mas com os Beatles, não era um fenómeno geracional - era mundial!
De certa forma, acho que é isso mesmo que o documentário Eight Days a Week, de Ron Howard, quer mostrar: a loucura que os quatro jovens de Liverpool desencadearam entre 1963 e 1969, ao longo de mais de 200 espetáculos, e discos que ficaram durante semanas nos primeiros lugares do top.
E ainda nos ajuda a perceber o que faz dos Beatles uma das maiores (se não mesmo a maior) bandas de sempre, que inspira gerações até aos dias de hoje.
O The Guardian relembra que este é o primeiro filme sobre a banda autorizada pelos antigos membros e as suas famílias desde 1970, data em que se separaram. Não deve ter sido fácil escolher qual o material que ia dar vida ao filme, sobretudo porque existem com certeza milhares de fontes, imagens e gravações de entre as que podiam ser escolhidas.
Mas Howard foi inteligente naquilo que fez: seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos, mostra-nos os momentos mais intensos e importantes da história da banda, desde os pequenos concertos em Liverpool e Hamburgo, até aos estádios esgotados. Como pano de fundo tem fotografias, gravações e vídeos em que o importante é a música, e a energia que os quatro rapazes emanavam em palco.
Não é fácil conseguir um documentário interessante, sobretudo quando temos de perceber como equilibrar o slide de fotos, com momentos dinâmicos que não nos façam pensar que estamos a assistir a uma apresentação de Power Point. No entanto, talvez porque seja sobre os Beatles, é precisamente isso que queremos ver: as suas imagens, a sua alegria, e a sua paixão.
Isso, e a ouvir as suas palavras. Todo o filme é contado sobre a perspetiva de quem viveu; isto não são historiadores ou jornalistas que leram muito sobre o que aconteceu. A história é feita por quem sabe, sejam atores ou artistas consagrados (como Whoopi Goldeberg e Sigourney Weaver, que na primeira pessoa assistiram a concertos, ou artistas como Elvis Costello).
São os próprios Beatles que nos contam como foi a jornada. Paul McCartney e Ringo Starr praticamente narram o filme, com a ajuda de algumas entrevistas a George Harrisson e John Lennon. Eles dizem-nos o que corria bem, o que sentiam, e o que acabou por ditar o fim das atuações ao vivo da banda, no final de 1966.
Sendo esta uma narração sobre os anos de tourné, tudo desencadeia aí. Depois de assistirmos à loucura, aos berros e aos cabelos despenteados, percebemos porque é que tudo terminou: a culpa foi nossa. Deixámos que o fenómeno em volta da banda fosse mais importante do que a sua música, e o que eles sempre quiseram foi fazer música, e tocá-la para quem queria ouvir. Mas ninguém ouvia; só berravam, esguinchavam, e maltratavam os tímpanos de quem estava à sua volta.
O filme quase que nos dirige para o momento em que os Beatles se retiram dos palcos e regressam ao estúdio, para aí ficarem. Vemos uma história de crescimento e maturidade, não só musical (já que os álbuns mais experimentais chegaram precisamente quando a criação era a sua principal preocupação), mas também pessoal. O grupo alegre transforma-se em recluso do som, quase eremitas que dificilmente são vistos na rua, e raramente juntos.
Porquê? Porque tudo parecia artificial.
1967 marcou o primeiro ano fora dos palcos depois da loucura dos anos anteriores. Também marcou o lançamento do primeiro álbum que comprei dos Beatles, e um dos meus preferidos: Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Para a revista Rolling Stone, é o melhor album de sempre. É uma viragem, de som e de carreira; é o fim de uma era, e o começo de outra.
Só dois anos depois é que os Beatles voltariam a tocar ao vivo, pela última vez. Foi em janeiro de 1969, num telhado de Londres. Foi assim que acabou a sua carreira ao vivo, e é assim que acaba Eight Days a Week. A cronologia chega ao fim, como chegam ao fim os anos de loucura. E o melhor deste filme é que nos faz perceber todas as motivações, medos e cansaços que nos fizeram, de alguma forma, perder uma das nossas bandas de eleição.
É inegável que o legados dos Beatles tem inspirado milhares de artistas em todo o mundo. Eles foram de banda rock popular, a músicos completos que nos deixaram canções de génio. Na sua simplicidade, conseguiram fazer mais do que muitos que estão anos a preparar melodias e letras, que depois não têm sucesso.
Enquanto escrevia este texto, ouvia o álbum ao vivo no Hollywood Bowl, lançado juntamente com o filme. Acho que não é da qualidade do som; existe mesmo uma alma e uma pureza diferentes em cada acorde tocado.
Estes quatro rapazes tinham um dom, e juntos deixaram uma marca no mundo. Obrigada.