Carta aberta a Martin Scorsese
Olá Martin. Como estás? Por aqui estamos bem, obrigada… Entre problemas pessoais e o cansaço da vida, pouco tempo para ver filmes ou séries, mas muito entusiasmada com a estreia de The Irishman, no Netflix. Que trailer do caraças!
Mas não é por isso que te escrevo. A verdade é que fiquei um pouco surpresa quando li as notícias. Então, andaste para aí a dizer que os filmes de super-heróis não eram cinema? Que tentaste ver e não conseguiste? Depois, escreveste um artigo para o New York Times a explicar a tua opinião e deste alguns argumentos para te explicares, mas o mal estava feito, não é?
Eu percebo-te, sabes… Já muitas vezes me debati com essa questão. Apesar de ter criado este blog com o intuito de fazer ver que até o maior blockbuster pode ser digno de uma opinião cinematográfica concreta, eu percebo quando dizes que são sempre a mesma coisa e que não trazem nada de novo.
Agora, dizer que não são Cinema… exageraste, não foi?
Dizes no tal artigo que cresceste numa era em que o Cinema era uma forma de arte, uma tentativa de trazer uma nova experiência emocional, com personagens que fortalecem esse sentimento e com histórias e estéticas que nos dizem algo mais. Continuas, afirmando que estas sequelas intermináveis são a reutilização da mesma fórmula vezes e vezes sem conta.
Eu concordo contigo. Ainda há uns tempos escrevi que estamos fartos de filmes de super-heróis e alguém comentou a perguntar porquê, como se fosse uma opinião muito intelectual da minha parte. Para já peço desculpa por não ter respondido a esse comentário, mas é que já se falou tanto sobre isso… É mesmo o que dizes: são filmes que não trazem nada de novo; que por muito bem feitos que estejam, por muito interessantes que possam ser e na forma como estão produzidos, são vazios de um valor maior, de uma necessidade maior. Querem entreter e dar uma nova roupagem à banda desenhada e não vamos estar para aqui a achar que são algo mais do que isso.
Mas é isso é assim tão mau? Porque é que o Cinema não pode ser também um veículo de uma arte de entretenimento que vai além das grandes histórias introspetivas?
Também concordo contigo quando falas da perspetiva de negócio que de alguma forma limita os cineastas, atenção. Eu percebo quando dizes que a pressão e escrutínio social são e tal. Forma sufocantes que os artistas veem-se obrigados a seguir as massas, o lucro e o sucesso de bilheteria.
Agora, diz-me lá uma coisa: tu viste o Todd Philips conseguiu fazer com o Joker? Viste o lucro que conseguiu, e a história do caraças que nos contou? Viste a identidade de Christopher Nolan na trilogia Batman? E mais importante, viste como o público se juntou para assistir ao último filme de Os Vingadores?
Apesar de compreender o que dizes e de concordar contigo em alguns pontos, esqueces-te de que parte do Cinema também é do público. Não, o público não deve ditar o que vês ou crias, mas o Cinema existe para ser visto, apreciado e levado para casa connosco. Onde falhaste foi em achar que cada um destes filmes não tem a mestria para conseguir alcançá-lo da mesma forma que outra obra.
Confesso que me faz confusão esta repetição excessiva em que pouco cunho pessoal de cada artista encontramos - é um dos pontos em que concordamos. Só que, acima de tudo, o Cinema é aquilo que queremos que seja. Alguns de nós, como tu ou eu, gostamos de nos perder nas histórias e personagens, de mergulhar e encontrar todos os detalhes que fazem daquele um filme incrível; outros encontram um escape, uma fonte de entretenimento artística com o qual se identificam.
Dizer que um filme não é Cinema porque não concordas com a sua história é um bocado injusto, no mínimo… Não estás a fazer uma crítica construtiva, em que mostras por A + B que o filme não resulta porque não está bem produzido, porque falta mestria ou talento às suas equipas; acontece às vezes existir um mau argumentista, uma cinematografia péssima, um editor que estava a dormir. Pareceste estar só a ser mauzinho, daqueles intelectuais que acha que o mundo há 30 anos atrás era muito melhor, percebes?
O mundo mudou e nós temos de mudar com ele. Se calhar a visão que existia do Cinema está a mudar, mas isso pode não ser totalmente mau. Quem sabe não haverá um novo génio, como tu ou como Alfred Hitchcock, que chega e volta a mudar o panorama e a forma como a Arte se comporta.
A mutação da sociedade traz consigo a mutação da Arte que a constrói.
Dito isto, estou muito ansiosa por The Irishman. Vou ver em casa, sim, mas feito por ti tenho a certeza de que irei gostar tanto como na sala.