A Lista de Schindler - 22 anos depois do Óscar
Por DeLorean
Há 22 anos atrás, a 21 de Março de 1994, A Lista de Schindler levava para casa o Óscar de Melhor Filme. Realizado por Steven Spielberg, esta obra prima do cinema conta a história verídica de Oskar Schindler, um membro do partido Nazi que usou a sua influência para salvar mais de mil judeus, ao empregá-los na fábrica de que era dono.
Oskar Schindler
Mas há alguns factos sobre o filme que nunca viram a luz do dia, e o site Mental Floss decidiu investigar melhor. A verdade é que, apesar de ser uma das mais importantes do Holocausto, esta história ficou por contar durante muitos anos. E tudo começou com uma casa de peles em Los Angeles.
Não, não estou a brincar: o dono, Leopold Page (nascido Poldek Pfefferberg), tinha o hábito de fazer emboscadas a quem quer que ele achasse que podia levar aquilo que ele sabia para a grande tela: a história de como ele próprio, a mulher e centenas de outros judeus tinham sido salvos da morte certa por Oskar Schindler.
A primeira vez que teve sucesso com a sua empreitada foi por volta de 1960, quando a esposa de Marvin Gosch, um produtor influente da MGM, entrou na sua loja para fazer compras...e saiu com a história. A senhora não tardou a contá-la ao marido, que concordou em fazer um filme e contratou o co-argumentista de Casablanca, Howard Koch, para ser também o autor deste argumento. Gosch e Koch começaram a entrevistar outros sobreviventes, e até o próprio Schindler, mas o projeto caiu por terra.
20 anos depois, em Outubro de 1980, Page encontrou finalmente quem prestasse atenção ao que tinha para contar: o escritor australiano Thomas Keneally. Tendo acabado nos dias antes uma book tour e uma presença num festival de cinema (em que viu estrear um filme baseado em um dos seus livros), Keneally entrou na loja sem esperar sair de lá com algo mais que um cinto.
Mas Page tinha outros planos, e contou-lhe a sua história, entregando-lhe ainda dezenas de documentos - discursos, testemunhos e uma das listas verdadeiras de Schindler com os nomes de quem devia ser salvo. O australiano saiu da loja inspirado, e acabou por passar tudo para o papel. O resultado final chamou-se Schindler's Ark, e foi publicado em 1982.
Capa original (à esquerda) e capa atual (à direita) de Schindler's Ark
Nessa altura, o presidente da produtora e distribuidora MCA/Universal era Sid Sheinberg, mentor de Steven Spielberg. Foi ele quem mostrou o livro ao realizador que, alegadamente, respondeu "isto dava uma história do caraças. É verdadeira?". Não demorou, por isso, que o estúdio comprasse os direitos da obra. Page, o impulsionador de tudo isto, acabou por se encontrar com o realizador para discutir a história, e foi aí que Spielberg fez uma promessa: completar a adaptação cinematográfica num espaço de 10 anos.
Surgiram, contudo, grandes hesitações: Spielberg estava relutante em assumir a responsabilidade de uma história tão séria e importante e tentou até que outros realizadores aceitassem o trabalho. Roman Polanski foi a primeira escolha, principalmente pelo próprio ser um sobrevivente do Holocausto e ter visto a mãe morrer em Auschwitz. Polanski não aceitou mas, uma década mais tarde, em 2003, trouxe-nos a obra prima O Pianista, que lhe valeu o Óscar de Melhor Realizador.
Seguiu-se Sydney Pollack e mais uma recusa. Mas à terceira é de vez, e Martin Scorsese aceitou. Já estava tudo preparado para levar o filme para a frente quando Spielberg, durante a produção de Hook (com Robin Williams no papel principal) teve uma epifania: ele, e só ele, podia realizar A Lista de Schindler! Depois de um acordo amigável e uma troca de direitos com Scorsese, o realizador começou finalmente a cumprir a palavra que dera a Leopold Page.
Steven Spielberg com Ben Kingsley (em cima, à esquerda), com a pequena atriz
Oliwia Dabrowska (em cima, à direita), com Liam Neeson (em baixo à esquerda) e
na sala de edição com os editores Andy Nelson, Steve Pederson,
Michael Kahn e Scott Millan (em baixo, à direita)
Mas agora os estúdios estavam desconfiados, e sem grande vontade de gastar muito dinheiro com o filme. Spielberg teve direito a um orçamento relativamente pequeno de 23 milhões, já que o filme era um enorme risco: a preto e branco, sobre o tema do Holocausto e com quase três horas de duração. Portanto, e para terem algo em que se apoiarem caso o projeto desse para o torto, a MCA/Universal pediu ao realizador para, antes de começar, colocar primeiro em marcha um filmezinho nada conhecido que a produtora já andava a querer fazer há algum tempo: Jurassic Park.
A fortuna de Spielberg, que já não era pequena, ficou ainda mais choruda com o que se viria a tornar um dos franchises mais rentáveis de sempre. Mas quanto à A Lista de Schindler, o realizador não foi ganancioso, e achou que uma história tão importante como a de Oskar Schindler não merecia compensação monetária - pelo menos, não para ele próprio, chamando-lhe até de "blood money". Na verdade, Spielberg utilizou os lucros do filme para fundar a Shoah Foundation, estabelecida para honrar e relembrar os sobreviventes do Holocausto.
Spielberg também não foi ganancioso com o elenco - aliás, fez questão de que Oskar Schindler não fosse interpretado por uma das grandes estrelas de Hollywood dos anos 90. Tanto Kevin Costner, Warren Beatty e Mel Gibson (conseguem imaginar!?) fizeram audições para o papel, mas foi Liam Neeson, na altura relativamente desconhecido, que recebeu a enorme responsabilidade.
E no final de contas, qual foi o resultado? Uma obra prima do cinema; um clássico que, se não vos emociona, é porque são verdadeiros robôs; um filme multi galardoado, levando para casa seis Óscares: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Direção Artística, Melhor Edição e Melhor Banda Sonora Original - sendo ainda que tanto Liam Neeson como Ralph Fiennes foram nomeados para Melhor Ator e Melhor Ator Secundário, respetivamente.
Mas, na minha opinião, a curiosidade mais interessante sobre A Lista de Schindler é o facto de, tecnicamente, ter sido feito por um estudante: Spielberg, tendo desistido da faculdade 33 anos antes do lançamento deste filme, voltou a inscrever-se em segredo e conseguiu finalmente graduar-se...entregando A Lista de Schindler como projeto final de curso!
Steven Spielberg aperta a mão de Robert Maxson, Presidente da Cal State
University Long Beach, ao receber o canudo, em Maio de 2002
E acho que vencer seis Óscares lhe deu todas as equivalências que precisava.