A lição que Joker nos dá, vista por uma amante de pipocas
Não, este não é mais um texto sobre Joker. Já escrevi sobre ele, mil pessoas já escreveram sobre ele e outras tantas postaram nas suas contas de Instagram como gostaram do filme e como o Joaquin Phoenix merece todos os Óscares do mundo - há quem vá mais longe e diga que é um melhor Joker que Heath Ledger. Hum.
A conclusão a que chegamos é que já muito foi dito sobre Joker. O que acho que não temos estado a falar com demasiado ênfase é como é que um realizador conhecido sobretudo pelas suas comédias conseguiu enganar o mundo inteiro a ir ver um filme sobre um suposto vilão de banda desenhada, quando na verdade é um filme sobre um homem doente.
Vamos recapitular.
Em várias fases da minha vida fui interpelada por pessoas que partilhavam a opinião de que a arte popular não é boa o suficiente para ser considerada arte. Se ouves música pop ou lês livros Young adult de fazer chorar as pedras da calçada, não sabes apreciar boa arte; se vês comédias românticas ou filmes de super-heróis só gostas de explosões e interpretações medianas. Concluindo, não fazes a mínima ideia do que é a verdadeira música, literatura ou cinema.
Estas pessoas, que tanto podem conviver connosco como escrever em sites culturais especializados, gostam de ditar esta ideia de que o indie é sempre melhor do que o popular. Seja porque é mais introspectivo, porque tem mais elementos a compô-lo, é mais profundo… Não estando totalmente longe da verdade (a complexidade de criação é, claro, um argumento interessante), é redutor e degradante para um público disposto a gastar algum dinheiro em cultura, algo que por sinal não é barato do nosso país.
Ainda assim, tenho tendência a ignorar estas opiniões, porque olho para cada uma destas artes da mesma forma que olho para o vinho: se quiser apanhar uma bela bebedeira vou com certeza comprar a garrafa mais barata, mas sei apreciar como é que um Pera Manca é muito melhor do que a marca Pingo Doce.
Quando comecei este blog tinha precisamente o objetivo de desmistificar isto de que os filmes pipoca não são bons o suficiente para serem falados. Até porque eu não sou a maior fã de muitos dos mais elogiados filmes que saem dos festivais de cinema. Para mim, o cinema é sobre histórias e elas tanto podem ser dirigidas a um público específico que está preparado para as receber, como ser mais abrangente e encontrar ouvintes junto dos mais broncos, como eu.
A beleza de Joker é que tem agradado a todos. Aos intelectuais. Aos que gostam de filmes de super-heróis. Aos como eu, que gostam é da Arte.
Começou por ganhar um Leão no Festival de Veneza, proeza onde se encontram filmes tão diversificados e de tantas partes do mundo que blockbusters de Hollywood não costumam marcar presença. Já quebrou recordes de bilheteira e até arrancou uma opinião de 4 estrelas ao Público (e todos sabemos que, quando o Público gosta, o caldo está entornado).
Onde estão agora os intelectuais a dizer que não se pode fazer um filme como deve ser com uma campanha de marketing hollywoodesca bem feita?
Estão, como todos nós, surpreendidos. Joker é um filme do caraças e durante meses achámos que ía ser mais um filme falhado da DC. Não é. É na verdade um grande testemunho de como o comercialismo pode também originar conteúdo interessante e relevante e não apenas mais um filme com pipocas.
Não sei se era esse o intuito de Phillips quando idealizou o filme, mas esse é o Joker que temos: um testemunho de como um filme com mais camadas que uma cebola e um grau de perturbação gigante pode ser comercialmente atrativo. Se muitas pessoas vão ao engano? Depois de 3 dias nas salas, não me lixem: já todos devem saber ao que vão.
Opiniões radicais, como em qualquer ocasião, correm o risco de serem demasiado elitistas e redutoras. Se existem os radicais intelectuais, também existem os radicais broncos que continuam a achar que os Transformers são o melhor filme de sempre.
Mas sabem o que é que é lindo nesta vida? É que não interessa. Façam o que quiserem e gostem do que quiserem. O que importa é que sejam felizes enquanto consomem cultura, e que um dia mais tarde tenham o discernimento e conhecimento para reconhecer que, às vezes, uma Pera Manca é apenas mais áspera para o nosso paladar e menos agradável do que um vinho do Pingo Doce.