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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Tenet (2020) - o Presente e o Futuro com uma máscara anti Covid

02.09.20 | Maria Juana

Sinopse: Depois de uma missão que se revela sem sucesso, o Protagonista (John David Washington) vê-se com um novo objetivo: impedir o início da III Guerra Mundial e o fim do mundo. A sua única arma: um gesto e uma palavra, Tenet, que lhe podem abrir as portas erradas ou certas para que seja bem sucedido.

 

Nos tempos que correm, ir ao cinema é quase uma aventura. De máscara na cara e desinfetante no bolso (nunca se sabe, mais vale prevenir), entrar numa sala e procurar o lugar marcado, sem tocar em nada e tentando ficar o mais afastada possível de todas as outras pessoas, é um campo de batalha dos tempos modernos. 

Apesar do pleno exagero da afirmação anterior, a verdade é que o cinema, distribuidoras, produtora e todos os que trabalham nesta indústria, como todas as que dependem da nossa presença física e da aglomeração de pessoas para sobreviver, precisa que percamos o medo. Precisa que seja posta a máscara, que saiamos de casa e tentemos voltar, aos poucos, normal. 

Tenet nunca foi pensado para ser a bóia de salvação da indústria. Nunca foi estruturado, filmado ou sequer comercializado como o símbolo do regresso ao normal, o primeiro filme que nos arriscamos a ver fora do nosso sofá e, quiça, que nos leva para dentro de um centro comercial. No entanto, como todos os filmes de Christopher Nolan, foi pensado e filmado para ser visto no grande ecrã, IMAX ou não (mas com preferência no primeiro), no escuro, com ou sem pipocas (não posso dar preferência aqui, estava com fome), com ou sem companhia. Foi pensado como uma mais aventura do cineasta pelos meandros do tempo e do espaço, dos jogos entre o presente, o futuro e todas as realidades pelo meio.

E como todos os filmes de Christopher Nolan, não falha em proporcionar uma experiência que, apesar de aparentemente banal, tem uma identidade muito própria e uma elegância muito sua. 

Compreendo a frustração dos críticos e fãs que dizem que Tenet é um exercício comercial, sem adição de nada de novo, sem ambição além do círculo banal do cinema de Hollywood - sobretudo quando o seu maior gancho de comunicação atual é precisamente ser o filme espetacular que não podemos perder no cinema e pelo qual valerá mesmo a pena arriscar a nossa saúde e dos que nos rodeiam. Para quem está habituado aos exercícios megalómanos de Nolan, é frustrante que este não seja um dos melhores filmes do ano. 

Clémense Poesy faz parte de um elenco secundário de peso, onde se incluem ainda Aaron Taylor-Johnson, Michael Caine, Kenneth Branagh e Himesh Patel

Porque tirem daí as vossas expectativas: não é o melhor filme do ano. Não é um exercício dramático ou emotivo, um relato que vive exclusivamente do argumento inventivo de Nolan, da sua mestria fantasiosa e dos olhares e silêncios aproveitados pelos atores, da dinâmica imaculada entre edição e realização. Tenet não inventa a roda, não nos apresenta uma teoria mirabolante - até é bastante banal. 

Tenet é um filme de ação, só que com uma classe e elegância que nem a Missão Impossível consegue ter. Tem explosões, um vilão russo um poder e riqueza que não conseguimos medir, uma mulher vive sobre os seus domínios e caprichos. Tem um herói, sem nome, que sem saber bem como tem de salvar o mundo. E tem um enredo e argumento muito lineares, como qualquer James Bond da vida. 

Muda apenas a ameaça - não é uma bomba atómica, é uma bomba temporal. 

Para pessoas que estão habituadas a ver de Nolan enredos e teorias muito mais complexas, Tenet parece quase demasiado banal. Sim, falamos de balas que andam atrás no tempo ou pessoas que conseguem reverter o sentido temporal, mas todo o papel de embrulho é sensaborão e pouco inventivo. E isso estranha-se. Apesar da física quântica revelada em Tenet não ser do senso comum, a nossa compreensão do assunto não é relevante para percebermos o enredo e a histórica - há até alguém que lá para o meio diz “não tentes perceber”. E nós, obedientes que somos, seguimos caminho e continuamos a ver perseguições de carros.

Com Tenet, Nolan contou uma histórica que todos conseguiríamos acompanhar e perceber, sem entrar em detalhes e grandes considerações. Mantendo a sua mestria e cunho em conseguir aliar na plenitude todos os eixos que constroem o seu filme, traz-nos um filme bem construído e delineado que, mesmo sem surpreender, não cai nos meandros de um filme medíocre - não é, porque Nolan não sabe fazer filmes medíocres. 

Com um claro destaque na interpretação para o núcleo principal (composto por Robert Pattinson, Elizabeth Debicki e John David Washington, o Protagonista em toda a sua plenitude), encontramos personagens construídos com o equilíbrio certo entre a ficção e a sua verosimilhança com a realidade, com interpretações sólidas e bem conseguidas. Washington, por não sabermos bem quem é e onde se encaixa, teve uma responsabilidade acrescida que conseguiu pegar com distinção, mantendo o mistério da sua personagem sem que com isso sentíssemos que algo estivesse a falar na sua construção; ele acompanha a sua evolução, o seu conhecimento, a sua confiança. 

E isso mais uma vez prova que Nolan não é homem de deixar nada ao acaso. Com uma definição muito clara do caminho que quer que as suas histórias sigam, Tenet acompanha a narrativa a que estamos acostumados: a sua visão está em todo o lado, do argumento, à realização, ao som e edição. 

Por muito que os enredos se tornem banais e menos interessantes do ponto de vista intellectual, nada bate uma obra em que tudo parece ter sido pensado para o mesmo propósito: contar uma histórica com cabeça, tronco e membros e deixar espaço para a audiência preencher a sua curiosidade. 

Nisso, poucos atualmente conseguem bater Christopher Nolan. 

 

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