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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

As séries que ainda vamos a tempo de assistir

18.05.20 | Maria Juana

Há 3 meses atrás teria escrito um texto como este sem qualquer referência aos que estão em casa todos os dias, sem fazer nada, isolados da sociedade. Seria apenas mais um texto com recomendações para aqueles que, como eu, gostam de séries e histórias e interpretações interessantes.

Apesar do mundo ter mudado em 3 meses, felizmente não mudaram as séries, as plataformas de streaming e as televisões. As séries e filmes (pelo menos os originais deste tipo de serviços) continuam a sair cá para fora, trazendo alguma normalidade e entretenimento a dias que, de outra forma, se transformariam em algo muito mais aborrecido.

É por isso que retomamos as recomendações aqui no sítio com uma lista de séries e documentários, novos ou com algum tempo, a que ainda vale a pena dar um olho. Se estão indecisos porque já viram tudo o que há para ver, ou apenas estão curiosos para saber o que vai ser a vossa nova serie de final de dia, estas são as recomendações para os próximos tempos.

Já viram alguma?

 

Hollywood

 

Disponível na Netflix desde o início de maio, Hollywood é uma viagem ao passado, mas um passado mais interessante, tolerante e digno.

A nova mini-série de Ryan Murphy leva-nos até à Hollywood de 1948, onde um grupo de jovens tenta a sua sorte na indústria do Cinema. Entre realizadores, atores e argumentistas, arriscam tudo o que têm para dar voz ao seu sonho de serem estrelas, reconhecidos pelo seu trabalho e dedicação.

Apesar de ter um argumento equilibrado que se vai tornando previsível ao longo dos episódios, não deixa de ser uma visão interessante de como o mundo poderia ter sido diferente se alguém tivesse a ousadia e coragem de arriscar. Num retrato de como era o mundo no final dos anos 50, Murphy traz visões do presente e do futuro ao obrigar-nos a refletir sobre a importância da inclusão de minorias nas séries e filmes que vamos produzindo e assistindo. Não deixa de ser uma forma diferente de abordar o assunto e dar-lhes a luz e voz que merece.

E claro, sempre com aquele visual a que Murphy nos habituou, com cores saturadas e um Set design cheio de pormenores e detalhes. É nos visuais e nos enredos ali entre a realidade e fantasia e realidade que Murphy muitas vezes ganha, e Hollywood não é exceção.

 

Mrs America

 

Passamos de uma série romântica e sobre sonhos para algo mais política, mas não menos pertinente. Mantendo a temática da inclusão e luta pela igualdade, Mrs America é a mais recente série da HBO Portugal, protagonizada por Cate Blanchett, Rose Byrne, Sarah Paulson, entre muitos outros nomes sonantes.

Mrs America é uma história real. Conta a história da luta das mulheres pela igualdade de direitos nos Estados Unidos nos anos 70, mas sobretudo sobre a oposição que encontraram na pele de Phylis Schlafly e o seu grupo de mulheres conservadoras. São episódios que no fundo dão conta de uma batalha entre Schalfly e Gloria Steinman, uma das mais conhecidas e proeminentes feministas norte-americanas.

A crítica tem elogiado a série não só pelas suas interpretações e presença, mas também sobre o tema. Normalmente tentamos desligar das mulheres que não apoiam a luta pela igualdade, demonstrando como são vítimas de uma sociedade patriarcal e ainda muito masculinizada, mas é precisamente esse o foco de Mrs America. 

Os episódios ficam semanalmente disponíveis na HBO Portugal.

 

Madam C.J. Walker - Uma Vida Empreendedora

 

Continuamos na senda a libertação feminina e temas fraturantes com a história de Madam C. J. Walker, a primeira mulher da História dos EUA a ganhar fortuna e tornar-se milionária. E tudo começou com uma linha de cuidados de beleza e cabelos para mulheres negras.

Protagonizada por Octavia Spencer e com um elenco de suporte que bradar aos céus, esta é mais uma mini-serie biográfica que nos mostra as lutas, conquistas e realidades enfrentadas no final do século XIX e início do século XX. É mais uma demonstração de como somos iguais, merecemos igual respeito e tratamento e conseguimos as mesmas conquistas.

A mini-série está disponível no Netflix.

 

A Secret Love

 

Terminamos o ativismo social no entretenimento com um documentário. A Secret Love, já disponível no Netflix, conta uma história de amor de 65 anos entre duas mulheres que toda a sua vida viveram escondidas - até agora.

Foi em 2009 que as duas decidiram contar às suas famílias que eram mais do que meras amigas - eram amantes, o amor da vida uma da outra e viviam numa relação secreta desde que se conheceram. Apesar de sempre terem vivido juntas, foi quando decidiram abrir a porta dos segredos que viveram na pele as dificuldades e impactos da sua história de amor.

O documentário foi realizado por Chris Bolan, sobrinho-neto de uma das protagonistas deste amor secreto. Centra-se na vida das duas mulheres nos seus 80 anos, após contarem o seu segredo. Segue-as na viagem de abertura, enquanto conta como se conheceram e mantiveram tal vida ao longo de mais de 60 anos.

Além de uma história de amor incrível, A Secret Love é a prova em como o amor é amor, independentemente de quem o vive. E dá-nos uma esperança no coração por pensar que mais ninguém devia esconder a sua vida durante 60 anos.

 

Eu Nunca

 

Passamos para as séries teens, leves e despreocupadas deste mundo. Aquelas que vemos quando nos apetece rir, chorar ou apenas lembrar como era a adolescência e como é tão bom termos saído daqueles anos de incerteza.

Eu Nunca segue Devi Vishwakumar (interpretada por Maitreyi Ramakrishnan), uma jovem de 15 anos que quer mudar o rumo da sua vida, ser popular e descontraída. E claro, viver alguns experiências sexuais pelo caminho, porque não?

Criada por Mindy Kaling e Lang Fisher, é daquelas séries coming of age que mostram as lutas de um adolescente, com o twist de ser um adolescente pertencente a toda uma minoria que ainda é vista meio de lado no panorama hollywoodesco. No entanto, é sinal de que jovens são jovens, independentemente da sua ascendência, e que mais do que nunca estamos prontos para começar a ver mais culturas e tons de pele no nosso ecrã.

Vão rir, dá para beber um copo de vinho e passar alguns tempos descontraídos.

Eu Nunca está disponível no Netflix.

 

Run

 

Será uma comédia? Será um drama? Será um thriller? Não há bem certezas, mas Run é das séries que tem despertado maior curiosidade nos últimos tempos.

Para já, são episódios escritos e realizados por Vicky Jones, argumentistas de séries como Fleabag e Killing Eve, amplamente elogiadas pela crítica. Falando em Fleabag, Phoebe Waller-Bridge (a sua criadora e protagonista) é uma das produtoras executivas. E ainda é protagonizada por Domhnall Gleeson e Merritt Wever, que é daquelas atrizes que costuma estar sempre em papéis secundários e gosto de ver finalmente como protagonista.

Run parte de uma premissa algo nova: 17 anos depois de terem sido namorados na faculdade, Ruby (Wever) recebe uma SMS de Billy (Gleeson) apenas com a palavra RUN. Para cumprir a promessa feita 17 anos antes desencadeada pela mensagem, Ruby larga tudo e vai ter com Billy a Nova Iorque. O que se segue é o seu reencontro, a descoberta do porquê do envio da mensagem e uma mudança nas suas vidas.

Esta ainda não vi e está na minha lista.

Os episódios são lançados semanalmente na HBO Portugal.

 

A Herdade

 

Esta é para aqueles que não apanharam o filme, nem a mini-série exibida mais recentemente na RTP. Ou também para os distraídos que não estão atentos às notícias: A Herdade, filme de Tiago Guedes, vai ser exibido em formato de mini-série na HBO Portugal.

O filme, protagonizado por Albano Jerónimo, Sandra Faleiro, Miguel Borges entre outros atores conhecidos do público, estreou ainda em 2019 em vários festivais de Cinema e foi muito elogiado pela crítica. Conta a história de um proprietário rural português desde os anos 40 até à atualidade, conseguindo um retrato bastante profundo das situações sociais, económicas e políticas do país ao longo desses anos.

Eu fui das distraídas que passou ao lado das várias oportunidades para assistir tanto ao filme como à mini série, por isso tenho bastante curiosidade em conseguir agora dar-lhe o tempo que merece.

Estreia a 26 de maio.

 

The Last Dance

 

Não interessa se não gostam e basquetebol ou sequer de desporto. Não interessa se admiram Michael Jordan ou até se o conhecem. Nada interessa, na verdade, além da noção de que The Last Dance é um documentário sobre a resiliência e esforço de um grupo de homens em circunstâncias muito específicas.

The Last Dance é um documentário de 10 episódios produzido pela Netflix e ESPN. Centrado na equipa dos Chicago Bulls liderada por Michael Jordan de 1985 a 1998, foca-se sobretudo na temporada de 97-98 que, não só permitiu que uma equipa de filmagens acompanhasse a equipa ao longo de toda a temporada, como se veio a revelar a última época desta equipa.

Naturalmente que para os fãs se torna mais intenso ver como Michael Jordan se tornou a lenda que hoje é, não só enquanto jogador individual, mas sobretudo como parte de uma equipa que fez história nos anos 90. No entanto, é incrível perceber como em 10 episódios conseguimos ficar presos a uma narrativa que vai além o desporto e do homem, focando-se também no retrato de uma indústria que ainda segue regras muito suas e muito, atrevo-me a dizer, questionáveis.

Tudo em 10 episódios emocionalmente interessantes que já estão disponíveis no Netflix.

 

White Lines

 

É uma das séries mais esperadas dos últimos tempos, nem que seja porque tem alguns portugueses entre o elenco. Falamos de White Lines, a nova série Netflix escrita pelo mesmo criador de Casa de Papel e Vis a Vis e que estreou na sexta-feira.

A série tem dado que falar, não só por ter sido criada pelo mesmo homem que nos fez começar a falar espanhol a toda a hora e a querer assaltar bancos, como tem vários portugueses no elenco - um deles Nuno Lopes, com um papel de algum destaque.

No centro da trama temos Zoe Walker (Laura Haddock) que deixa tudo e parte para Ibiza para investigar a estranha morte do irmão. Lá pelo meio há com certeza mistério, curvas e contracurvas e plot twists, não estivéssemos nós a falar de Alex Pina - ou assim espero.

 

Space Force

Outra das séries mais aguardadas dos últimos tempos: chama-se Space Force, é protagonizada por Steve Carell e tem alguns dedos de Greg Daniels, um dos responsáveis por The Office.

Mas Carell não está sozinho: John Malkovich, Ben Shwartz, Lisa Kudrow são alguns dos nomes que se juntam ao comediante nesta série que estreia no final do mês de maio.

Se estes não são argumentos suficientes para pelo menos despertar a curiosidade, Space Force conta a história de Mark Naird (Carell), um piloto norte-americano que fica responsável por uma unidade das Forças Armadas dedicada à exploração espacial e em ajudar o Homem a chegar novamente à Lua. E fiquem sabendo que a Space Force, o nome desta unidade espacial, existe mesmo e foi anunciada por Donald Trump em 2019.

Agora que as cartas estão todas em cima da mesa, resta-nos esperar por 29 de maio.

 

E boas séries!

Becoming, o documentário para um mundo a precisar de esperança

12.05.20 | Maria Juana

Disclaimer: apesar deste ser um blog de Cinema, há muito que me apaixona e sobre o qual gosto de escrever. Sociedade, saúde mental, beleza feminina são alguns dos temas incluídos nessas paixões. Portanto, esta não é tanto uma review tradicional sobre um documentário, antes uma reflexão sobre uma mulher, os seus ideais, as suas forças e fraquezas; uma reflexão sobre uma inspiração e, sobretudo, sobre mim.

Porque quando li Becoming pela primeira vez - a autobiografia de Michelle Obama lançada em 2018 - houve uma certa perspetiva de que, entre o nosso privilégio e oportunidades, muito do que conseguimos alcançar estará sempre nas nossas mãos. Na altura, em que estava a passar por um fase de alguma incerteza pessoal sobre a minha carreira e percurso, Foi testemunho que me tocou de sobremaneira e me fez questionar (ainda mais) algumas suposições que fui fazendo ao longo dos anos. Quer queiramos, quer não, os nossos percursos são muito ditados pelo que nos rodeia e por vezes precisamos apenas de um abre olhos para nos apercebermos que há algo mais a fazer, algo mais importante.

Este livro foi importante para isso.

O documentário, que ficou disponível na Netflix na passada semana, leva-nos numa viagem pelo livro que, ao mesmo tempo, é a vida de Michelle. Passa-se sobretudo nas tour de lançamento de Becoming, que contou com palestras um pouco por todos os Estados Unidos, enquanto nos conta em retrospectiva as experiências de Michelle desde a sua infância em Chicago, até à vida que hoje leva como antiga Primeira Dama dos EUA.

Enquanto documentário baseado numa autobiografia, torna-se interessante a forma como adaptação é feita. Para quem leu o livro tem vários paralelismos e, claro, momentos “repetidos” porque fazem parte da vida da protagonista. Ainda assim, conseguimos ter uma perspetiva nova e novas reflexões, o que torna esta uma peça biográfica que traz surpresas par quem leu ou não o livro; não é dos testemunhos que perdem algum ponto, antes uma adição, uma nova forma de ver a sua história, mais visual, mais rápida, mais próxima, também.

Acima de tudo, é o retrato de uma mulher que sabe que nem todos têm as suas oportunidades, mas que também lutou por chegar onde chegou. Vinda de uma família sem grandes posses de Chicago, não nasceu no seio do privilégio, mas as circunstâncias da vida e a sua luta levaram-na a ele. Ela não é, nem tem de ser, humilde ao ponto de agradecer todas as bênçãos sem pensar “Hey, eu também sou responsável por isso!”, mantendo os pés na terra e a noção dessa felicidade.

Nem tão pouco é uma mulher perfeita. Apesar do endeusamento que vem da inspiração em que se tornou, Michelle (e o marido, se quisermos entrar por aí) não é perfeita e tem noção disso. No entanto, é inevitável comparar as suas virtudes com os defeitos de outros, sobretudo quando o papel de destaque que teve na Casa Branca foi substituído pelo total oposto - e não falo apenas na Primeira Dama, mas em tudo o que a Casa Branca se tornou, um símbolo de extremismo, intolerância e de limitação à liberdade de expressão e livre jornalismo, entre outras coisas. Mesmo que Michelle não seja perfeita, e que Becoming seja um veículo para percebermos isso mesmo, a forma como nos ensinou e continua a ensinar que a nossa voz importa e tem poder ganha toda uma nova dimensão.

Entre trabalho humanitário inerente à sua antiga posição e a intervenção em causas sociais vindas do seu trabalho anterior, Michelle conta-nos um percurso que já demonstrava desde cedo que viria a fazer a diferença no mundo. Se a Casa Branca lhe deu a oportunidade de ficar conhecida do público e de usar a sua influência sobre as causas que já julgava importantes, foi um bónus.

Becoming, tanto em livro como em documentário, tornam-se portanto um veículo de esperança - não apenas no mundo e na presença de pessoas que o podem mudar, mas naquilo que podemos ser. Numa viagem pela América, pela sua sociedade e as lutas que enfrenta, é um documentário sobre um país que ainda se debate com a desigualdade social e política, a pobreza e a necessidade de investimento no ensino para quem não pode pagá-lo e a ele tem direito. E traz-nos todo o tipo de questões individuais, também: o que queremos do mundo? O que queremos de nós? O que podemos fazer para mudar alguma coisa? E como podemos mudar um mundo que não nos quer ouvir?

É certo e sabido que este não é um mundo fácil de viver e há ainda um trilho gigante a percorrer, daqueles com socalcos, obstáculos, subidas e descidas. Becoming torna-se assim, não apenas numa biografia, mas no testemunho de uma era de esperança e mudança, da necessidade de também nós contribuirmos de alguma forma para esta mudança de forma ativa. A nossa voz, mesmo que muito pequena, entre muitas ganha peso e densidade.

Se a esperança é a possibilidade de mudança, depositamos nela a nossa fé. E não pode nunca morrer.

 

Realizado por Nadia Hallgren e composto por uma equipa formada maioritariamente por mulheres, Becoming: A Minha História está disponível para streaming no Netflix.

#TBT: American Psycho, o olá a Christian Bale

07.05.20 | Maria Juana

Corria o mês de abril de 2000. O mundo ainda não tinha acabado, por muito que tivéssemos tudo medo há alguns meses atrás.  O euro estava quase a chegar às nossas carteiras e nas rádios ainda se ouvia Backstreet Boys e Spice Girls. Nesse mesmo mês, chega um filme cujo género é difícil de decifrar… É drama, é horror, é gore, mas tem um lado cómico e um protagonista que faz o filme.

Chama-se American Psycho e é o nosso TBT de abril.

 

 

Há 20 anos atrás, Christian Bale ainda não era o ator de renome que hoje nos delicia. Na verdade,  American Psycho é capaz de ter sido o seu primeiro grande papel de protagonista e só de pensar que foi quase para Leonardo DiCaprio quase que me dá a volta ao estômago - não por achaque DiCaprio não tivesse capacidade para interpretar o psicopata Patrick Bateman, mas porque é difícil pensar nesta papel sem o perfil, voz e postura de Bale.

Patrick Bateman é o nosso psicopata americano. Trabalha em Wall Street, trata do corpo metodicamente, atrai mulheres e homens (se bem que prefere apenas as primeiras) e, vai-se lá saber porquê, gosta de matar pessoas. Primeiro apenas porque sim, depois de forma desenfreada, quando o seu instinto e reflexo o fazem deixar de ter qualquer tipo de filtro.

É aquele semblante de Bale, a sua presença, que dão a Bateman (e a todo o filme, na verdade) o lado mais apelativo e sensato. Quando American Psycho foi lançado, e mesmo ainda hoje, não houve consenso de opiniões sobre o filme. Enquanto alguns gostaram de como é feita a descrição do mundo de Bateman e dos seus instintos, num argumento que roça o horror, outros consideraram que ficou aquém do material original (o livro com mesmo nome de Bret Easton Ellis) e que tudo se torna um pouco confuso. Mesmo atualmente, se há filmes que vemos passados 20 anos passados do seu lançamento e continuam a fazer sentido, American Psycho parece sempre muito virado para si para conseguir envelhecer com classe.

A responsabilidade cai no seu argumento. Escrito por Guinevere Turner e Mary Harron (que também realizou), falta alguma consistência a uma história que, apesar de se querer sem emoção, por vezes se torna enfadonha. A falta de emotividade de Bateman está totalmente estabelecida ao longo de todo o enredo, mas parte mais da interpretação de Bateman e dos monólogos interiores e metodotismo da sua personagem, do que propriamente da sua história; são pedaços apenas do enredo que nos levam a imaginar que a emoção não existe. Aquela que podia ser quase uma experiência sociológica sobre os limites e perceção da pessoa humana, torna-se rapidamente numa espiral de acontecimentos que parecem não ter lógica ou ligação entre si. Quando Bateman entra ele próprio numa espiral decadente, o que a desencadeia? O que nos leva do ponto A ao ponto B, da calma ao desespero?

Não sabemos e, apesar de nem sempre sem necessário esse caminho, neste caso torna-se essencial para compreendermos também a natureza do protagonista e da própria argumentação feita. Ainda por cima, chegamos a uma altura em que a música é a única coisa que parece fazer algum sentido e dar força a cenas que ficaram parados no tempo.

Mas American Psycho não deixa de ser um testemunho com 20 anos do que o Cinema tinha para chegar no início do milénio. Não foi, de todo, um percursor de um género ou uma peça que faz parte dos 20 melhores filmes do milénio, sobretudo porque encontramos demasiados momentos em que não faz sentido ir por um caminho ou para o outro.

É, ainda assim, um momento que tem o seu lugar na história e merece algum respeito. Não apenas porque nos deu a conhecer uma parte do potencial de Christian Bale (que hoje sabemos ter um potencial fora do vulgar, mas que na altura estava apenas a desabrochar), como demonstra uma necessidade e vontade de elevar a voz feminina. É que American Psycho foi escrito e realizado por mulheres, para contar a história de um homem que gostava de as matar. Foi feito sem receio das consequências, apenas pela vontade de contar uma história diferente com uma perspetiva diferente. Não foram as primeiras, mas foram parte deste caminho que ainda hoje não está totalmente percorrido.

E isso deve ser sempre celebrado.

Onde vai parar o Cinema?

03.05.20 | Maria Juana

Não é notícia, mas para os mais distraídos, ainda vivemos sobre os ditames e limitações de uma pandemia global. Apesar do levantamento do Estado de Emergência no nosso país (que, para os que andam distraídos, em nada significa que já podemos voltar às nossas vidinhas normais fora de casa), o isolamento social quando possível continua a ser aconselhado um pouco por todo o mundo. Aos poucos, é verdade, a Economia quer-se recomposta, mas estes 2 últimos meses já ditaram graves consequências para vários setores e família em todo o mundo.

Entristece-me ler as notícias, como se regressámos ao nosso Portugal de há 10 ou 15 anos. Foram anos complicados, em que nos deparamos com várias dificuldades das quais muitos de nós ainda estão a recuperar. E agora, o que farão os que regressam ao desemprego, às ajudas do Estado, à solidariedade?

É por este pesar que me culpabilizo um pouco por ousar escrever algo tão… distante. Este blog, apesar de ser sobretudo sobre Cinema, é também uma forma de expressão e desabafo e muito do que escrevo vem mais do interior do que da mera análise cinematográfica. Sinto por isso estranho dizer que a vida continua quando não sabemos ainda em que moldes, em que situações e nem o quando está muito certo… Para mim, não será certamente junho e muito menos maio, pois o mero pensamento em entrar num transporte público (que utilizo diariamente para ir para o trabalho) me causa ansiedade.

Mas a verdade é essa: a vida continuará um dia. E quando acontecer, teremos de apanhar os cacos da pandemia que nos partiu a vida. O Cinema, enquanto indústria e negócio, não é diferente.

 

 

Cinema em tempos de pandemia global

Como tantos outros negócios e espaços públicos, as salas de cinema foram obrigadas a fechar. Ainda antes disso, já estavam com lugares limitados, com o público a ver-se obrigado a sentar-se com vários lugares de distância e salas apenas com um terço da lotação.

E como em todas as indústrias, o isolamento social voluntário e obrigatório levou a um rombo sem precedentes.

Não apenas no número de pessoas nas salas (que ficou reduzido a nada), mas sobretudo as produções que já estavam prontas a estrear, as que estavam em desenvolvimento e aquelas que estavam mesmo a começar.

Estão a imaginar o caos que estará o calendário de estreias dos próximos meses? Uma interrupção do calendário leva a que todas as estreias tenham de ser adiadas. Com esse adiamento, são adiadas todas as produções que, apesar de ainda não estarem concluídas, tinham já datas de estreia marcadas - uma regra que muitos estúdios agora seguem para grandes produções. As distribuidoras continuam a ter um número limitado de salas, por isso estes calendários são muito importantes - caso contrário, teríamos pouco espaço para todas as. estreias.

Além disso, várias produções foram interrompidas ou canceladas. Isso torna-se um problema, não apenas para o calendário que passa a não conseguir ser respeitado (desencadeando adiamentos atrás de adiamentos), mas sobretudo para quem trabalha. Como recebem as equipas técnicas, os atores, os editores?

Muitos (talvez a grande maioria), infelizmente não recebem.

E se não há receitas, não há capacidade de investimento no futuro, criando um impasse cada vez maior.

 

E agora?

Semelhante a tantos outros negócios, a reinvenção do Cinema não é fácil - não apenas na venda direta de receita, mas na sua produção. Tudo depende de pessoas, desde quem grava, a quem interpreta, dirige ou produz, a quem assiste. Sem pessoas, não há Cinema.

Agora, com tantas limitações, novas formas começam a surgir. Os Drive-ins voltam a ser uma solução atrativa, pois permitem assistir a um filme num ambiente semelhante ao de uma sala, mas cumprindo as normas do distanciamento social. Alguns estúdios começam a procurar outras soluções, como a estreia de novos filmes em Video On Demand- talvez a solução menos consensual, pois apesar de permitir aos estúdios reaver algum do seu investimento, retira às salas e aos distribuidores a possibilidade de comunicar e vender bilhetes para estreias exclusivas.

Até a Academia de Cinema norte-americana já anunciou que, pela primeira vez na História, vai permitir a nomeação de filmes que tenham ido diretamente para plataformas de streaming e não tenham passado no cinema. E com festivais como Cannes e Sundance cancelados, a própria promoção ficou um passo atrás.

Nenhuma das soluções será consensual, nem tão pouco serão as ideias para todas as partes do negócio. Mesmo existindo soluções para os distribuidores e estúdios, as produções continuarão paradas até ordem em contrário. Sem produções, não há novos filmes, não há novas receitas, não há trabalho para as equipas.

E as soluções nem sempre são fáceis de encontrar.

 

O futuro próximo

Para já, tudo isto em águas de bacalhau. Em Portugal, o Governo anunciou a abertura de salas de cinema e de espetáculo para junho, mas com lotação limitada e com distanciamento entre lugares e pessoas. No estrangeiro, a situação é semelhante, se bem que com timings diferentes.

Vários estúdios anunciaram já novas datas de estreia, não só para os filmes que não puderam estrear estes meses, mas também para aqueles cuja produção teve de ser interrompida. Marvel, DC e Disney tiveram também de adiar os restantes calendários, que já tinham estreias previstas para 202.

O futuro está incerto para todos. Para todos, o regresso à vida normal parece ainda uma pequena ilusão, momento incerto em que não sabemos bem o que vai acontecer. E se parece OK termos de usar máscara no supermercado, não há máscara que valha a atores que precisam dar o corpo às balas. Já a mim, por muito que me digam que as salas de cinema são desinfetadas no final de cada sessão, nada me dá confiança suficiente para conseguir ir sem ansiedade. 

O que nos reserva o futuro? Incertezas muitas.