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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

After Life - Um ensaio sobre a vida, o amor e tudo o que está pelo meio

30.04.20 | Maria Juana

Era uma vez um senhor chamado Tony. Um dia, conheceu uma senhora chamada Lisa e, entre aventuras e desventuas, apaixonaram-se. Casaram. Viveram momentos muito felizes. Mas quando Lisa é diagnosticada com cancro e acaba por falecer, esses momentos passam apenas a ser memórias gravadas e vistas e revistas vezes sem conta num ecrã de computador. Nesse dia, Tony começa a questionar se vale mesmo a pena ser boa pessoa se há sempre um dia que todos morremos. 

De uma forma muito simples e meio tosca, esta é a história de After Life, uma série de 2019 escrita, realizada e protagonizada por Ricky Gervais. Não é de todo o tipo de argumento que vemos a ser escrito por Gervais, mas é talvez dos mais orgânicos do britânico. 

Para quem viu a primeira temporada, a segunda acabou de estrear no Netflix, pronta para nos arrancar lágrimas e gargalhadas em igual medida. 

 

É um pouco redutor dizer que After Life é apenas uma série sobre uma história de amor e um homem deprimido. Claro que o é, mas consegue ser da mesma forma uma metáfora para o que valorizamos na nossa vida, o que nos move e o que nos influencia, ao ponto de questionarmos quem somos e o que somos quando essas forças inesperadamente somem. 

Sem que estivesse a contar com isso, After Life mexeu demasiado comigo - já o tinha feito em 2019, voltou a fazê-lo agora. Sempre com o mesmo registo e sempre com a mesma simplicidade deliciosa que é a vida numa pequena cidade britânica, chorei, ri, refleti e cheguei a conclusões sobre mim que nem sequer me tinha atrevido ainda a pensar. 

Sabem quando nos dizem que não devemos viver em função de alguém? Que a obsessão pode ser pouco saudável, que não devemos nunca deixar-nos levar pela dependência de terceiros - isto sobretudo quando somos mulheres a lutar pela independência feminina? 

Questionei tudo isso. Na verdade, já o questiono há vários anos. Eu dependo das minhas relações - das amorosas, das familiares, das de amizade. Elas formam-me, tornam-me naquilo que sou, ajudam-me a perceber para onde ir e muitas vezes até o que pensar, porque acredito que são as nossas vivências e experiências que nos tornam quem somos. Sou, saudavelmente, dependente do homem que vive comigo todos os dias - o que torna a história de Tony muito mais premente. 

Não, eu não sei o que faria sem ele. Continuo a preferir perguntar-lhe se temos legumes no frigorífico do que ver pelos meus olhos, ou se sabe onde está guardada a minha camisa preferida. Confio de tal forma naquilo que sou com ele, que as suas palavras são parte integrante das minhas decisões. 

Em certa medida, é o que Gervais nos conta entre cenas mais sarcáticas, outras mais dramáticas. A história de Tony e Lisa é o retrato em como estas pequenas dependências nos ajudam a olhar para os dias com alegria, com tristeza ou apenas com tolerância. Toleramos a sociedade, os seus obstáculos e estupidezes porque, no fim do dia, sabemos que há sempre alguém que nos faz pensar que vale a pena sobreviver a cada minuto que passa. 

Encontrei em After Life a conclusão de que esta ideia de que somos construídos por pequenos pedaços de outros não deve nunca ser sinal de fraqueza. Faz-nos, muitas vezes, mais fortes por termos de lidar com a ausência de uma parte de nós quando, mais cedo ou mais tarde, cessa de existir. Somos um puzzle colado por peças e peças de vidas e realidades, que nos juntam aos que nos rodeiam. 

E não deve haver mal nenhum nisso. 

 

Hé beleza numa história assim, sobretudo quando é tão bem contada e tão deliciosamente tratada. Com um argumento certeiro, que facil e organicamente nos leva das lágrimas às gargalhadas, é na sua história e nos seus diálogos que After Life nos prende. Gervais consegue levar-nos numa viagem incrível sem precisar de artifícios ou luzes de néon; há uma certa magia na forma como transforma uma pequena cidade britânica no palco de uma série que quase se parece com uma peça de teatro. 

O facto dos dias de Tony serem sempre tão semelhantes e cheios de paralelismo mostra-nos a repetição dos seus dias, a incapacidade que tem de sentir prazer com as mudanças e surpresas diárias.

E, em igual medida, a própria repetição dos nossos dias. 

No fim de contas, After Life é uma história de beleza singela, com cenários singelos e interpretações doces e agressivas ao mesmo tempo. Com o seu toque britânico, encontramos aqui (mais) uma prova em como nem todas as comédia devem ter piadas de nos levar às lágrimas a cada minuto, nem tão pouco custa brincar com assuntos sérios - se a morte for sequer um assunto sério. Se o humor não tem limites, não o deve ter também a forma como a comédia nos é trazida e Gervais demonstra novamente que os seus formatos não são constantes; são de acordo com as suas mensagens e os seus valores. 

After Life é uma amostra das escritas mais simples e profundas que já tive a sorte de assistir, sempre com comédia. Haja mais, pela nossa saúde. 

 

A segunda temporada de After Life já está disponível na plataforma de streaming Netflix.

Pipocas em tempos de pandemia global - uma atualização

28.04.20 | Maria Juana

Pensei bastante antes de começar a escrever este texto. Por vários motivos: 1. Estive fora demasiado tempo (literalmente, fora do país); 2. Sinto que não me consigo dedicar a este espaço a 100% como queria; 3. Vivemos tempos tão estranhos que vir para aqui falar sobre Cinema parece-me deslocado e sem nexo - sobretudo quando nem ao Cinema podemos ir!

Ainda assim, cá estou. Outra vez. A escrever um texto de comeback porque já fui e vim tantas vezes que não vale a pena contar porque me faz bem à alma.

Mas este não é um texto como os outros. Este é escrito em virtude da realidade, do presente e do futuro - que ainda é tão incerto e tão afastado que parece meio irreal; “será que haverá mesmo um futuro?” penso eu, nesta minha bolha de 55 metros quadrados.

 

Para contexto, estive 3 semanas na Nova Zelândia, a viajar entre paisagens saídas do (e criadas para) Senhor dos Anéis, viagens por um tempo mais simples e culturas a anos-luz do que é o nosso dia-a-dia. Tinha todo um conteúdo preparado para escrever sobre os cenários, os sets construídos, as oficinas de pós-produção e maquilhagem que pudemos visitar.

Mas o mundo um pouco que me trocou as voltas.

Sabem aquela sensação que existe quando voltam ao trabalho depois de estarem de férias? A claustrofobia do escritório vs os dias em que estavam sempre fora de casa (ou apenas no sofá)?

Multipliquem-na por isolamento social voluntário.

Quando regressámos de viagem, o mundo já estava em alvoroço… Já andámos de máscara nos aeroportos com medo do bicho invisível e já lavámos as mãos com uma vontade acérrima de erradicar qualquer bactéria ou vírus malandro. Em Portugal ainda havia um clima de incerteza, mas não demorou muito a deparar-me com pessoas com medo, que preferiam o isolamento social à incerteza de não saber o que podia acontecer numa viagem de transportes públicos.

E duas semanas depois do meu regresso do paraíso, fechei-me em casa.

Imaginam o choque de realidades! Tinha praticamente acabado de regressar de umas viagens mais libertadoras da minha vida, em que percorremos quilómetros e quilómetros de estrada e nos atrevemos a falar com estranhos. Em algumas paragens, tomámos banho em nascentes de água quente e cogitámos até colocar os pés em fontes termais naturais. O contacto com o outro (um outro amável, conversador, simpático) foi uma constante num país em que as pessoas correm na rua a todas as horas e onde qualquer pedaço de terra junto ao mar é uma praia.

Além disso, pasme-se que, estando praticamente um mês de férias e regressando para um trabalho com deadlines apertados e alguns projetos importantes, não via vários familiares e amigos fazia muito tempo. E as videochamadas que fazíamos só por estar do outro lado do mundo tornaram-se uma regra que pouco gosto de cumprir.

Por isso não, não sinto um regresso fácil. A verdade é que na minha cabeça, esta viagem ia funcionar como um interruptor que desligava a minha vida antiga e começava uma nova. Parti de coração pesado, ansiando que uns tempos fora fossem o suficiente para encontrar motivação, vontade de fazer mais e alinhar as agulhas das prioridades. Guess what: estava a funcionar tudo muito bem até que tive de me fechar em casa. A motivação foi pelo ralo. Acordar cedo para fazer o que quer que seja é um suplício e, apesar de estar em teletrabalho, a procrastinação é muito mais fácil de conseguir agora que ninguém vê se estou a ler um livro ou a enxurrada de emails que tenho na caixa de entrada (cara entidade patronal, prometo que estou a trabalhar imenso).

A saúde mental é uma coisa complicada de perceber porque não tem regras. Não existe um exame que nos mostre que um órgão está fora do sítio, ou uma análise que demonstre por A+B que os níveis estão descompassados e por isso é que nos sentimos na merda. Sair da paz total para entrar numa clima de medo e isolada do que costuma por-nos para cima tem tudo para correr mal, não tem?

Por isso, andamos assim. Ainda não vi Casa de Papel, nem o Milagre da Cela 7. Poucos foram os filmes que consegui pôr em dia. Já vi um ou outro documentário, andei pela trash TV dos reality shows e sorvi After Life como se a minha vida dependesse disso (sobre este, já lá vamos).

Mas a vida continua. E, esperemos, voltaremos ao Cinema também.