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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

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Uma ode às comédias românticas

01.08.19 | Maria Juana

Lembro-me distintamente da primeira vez que vi You’ve Got Mail. Estávamos já numa época em que podia ser perigoso falar com estranhos em salas de chat online; os pais preocupavam-se com os filhos que facilmente podiam partilhar dados pessoais com pessoas que não tinham as melhores intenções. Os meus não era exceção e hoje sei dos planos e maquinarias que usaram na altura, nas minhas costas, para se certificarem que eu tinha juizo. 

Lembro-me de ser cautelosa e de nunca ir longe de mais, mas também me recordo que, secretamente, gostava de ser uma Meg Ryan que desabafava online com o seu futuro amor sem saber. 

You’ve Got Mail não há-de ter sido a primeira comédia romântica a que assisti, mas foi aquela que ficou comigo mais tempo e que possivelmente me fez tanto querer visitar Nova Iorque - e isso é dizer muito para uma comédia romântica. A história da proprietária de uma pequena livraria que se apaixona pelo seu arqui-inimigo e maior concorrente depois de se conhecerem num chat online é tudo o que se aprende nas escolas das comédias românticas. Só que tem o encanto dos anos 90, em que tudo se fazia com outro estilo. Tem aquela dicotomia entre o passado e o futuro, dos livros e da tecnologia, na época em que nos estávamos ainda a aprender a lidar com estas mudanças. E claro, tem Meg Ryan e Tom Hanks.

As comédias românticas são um género sub-valorizado. Claro que há algum lixo ou conteúdo menos bem conseguido, como existem em todos os géneros, e claro que existem alguns espécimens exemplares que, no que toca ao cinema, não ficam atrás dos dramas mais pesados ou dos thrillers mais complexos que costumam ganhar Óscares. A simplicidade, ao contrário do que se pensa, não é fácil se conseguir; é fácil cair em lugares-comuns, em fórmulas rápidas e pouco cuidadas para chegar à conclusão. E por muito que a conclusão seja sempre a mesma (eles vão, quase sempre, ficar juntos no final, por muitos obstáculos que surjam lá pelo meio), o que nos surpreende é como é que chegamos lá. 

Ou então estamos a falar de 500 Days of Summer, em que tudo é surpreendente: o argumento, a direção da ação, o estilo e realização, as personagens e as suas interpretações… A conclusão é um pequeno easter egg no meio de tudo isso. 

Todas as comédias românticas podem ter o mesmo potencial de elogio e crítica elevada que qualquer outro filme. São só pouco valorizadas e ainda um bocado conservadoras. 

500 Days of Summer já é um clássico. A improvável história de amor entre Tom e Summer trouxe a realidade de volta às comédias românticas, sem nos fazer deixar de acreditar no amor. 

Se procurarmos no dicionário, uma comédia romântica é uma peça ou filme com toque humorístico que retrata o percurso de uma relação amorosa, parafraseando. Não é uma invenção do cinema ou da televisão, com alguns registos de comédias greco-romanas ou até de Shakespeare consideradas comédias românticas por quem entende destas coisas. 

Os enredos podem variar, mas são todos baseados na mesma ideia de que o verdadeiro amor existe, mesmo que para isso os protagonistas tenham de se separar ou encontrar outras pessoas para amar que não aquelas que julgamos inicialmente. O seu objetivo é fazer-nos passar um bom bocado, entreter, enquanto nos contam uma história de relações amorosas e humanas e nos fazem acreditar que isto de estarmos apaixonados é a melhor coisa do mundo, e as alma-gémeas estão aí para as encontrarmos. 

Não é complicado perceber como é que são tão procuradas pelo público, pois não? Enquanto crescemos, somos bombardeados com esta ideia de que temos de ter namorados e namoradas, que isso é quase obrigatório na sociedade se queremos ser felizes e realizados. Só mais tarde percebemos que, mais do que uma desculpa para a reprodução, isto de termos um par é acima de tudo um sentimento que podemos ou não encontrar. Mas se toda a vida nos disseram que temos de ter um par, não queremos que seja um amor verdadeiro e para a vida toda?

Como grande parte dos dogmas que a sociedade nos ensina, as comédias românticas vão beber ao maior deles todos: o amor. Somos levados a beber desta vontade de encontrar a alma gémea que os livros, filmes e peças de teatro nos oferecem. 

Contra mim falo, que adoro comédias românticas e acredito no amor verdadeiro e para a vida. Sou daquelas românticas incuráveis, que apesar de perceber a diferença entre o prazer carnal e o amor que sentimos por alguém, conseguem compreender como é que duas pessoas sentem algo tão profundo que as faz querer ficar juntas. Filmes como You’ve Got Mail, 500 Days of Summer ou Férias em Roma, ou 10 Coisas que Odeio em Ti, em nada vieram atenuar esta minha visão - muito pelo contrário. 

Por isso percebo perfeitamente o apelo que uma comédia romântica oferece. Nela vemos transparecer este desejo de encontrarmos o que parece ser possível apenas nas histórias e na nossa imaginação, mas todos queremos ser a Sally quando o Harry a conhece…

When Harry Met Sally estreou há 30 anos, em 1989. Foi o primeiro filme escrito por Nora Ephron protagonizado por Meg Ryan. Seguiram-se Sleepless in Seattle (1993) e You've Got Mail (1998).

O melhor deste género é que tem evoluído bastante ao longo dos anos. Até então, ainda estávamos perante um género conservador em que o final só era feliz se o casal ficasse junto para sempre e ela caía nos braços dele porque não havia outra solução. OK, era esse o objetivo, mas o amor não acontece em todas as formas? Qualquer relação com o filme com esse nome foi totalmente propositada. 

O amor acontece mesmo em todas as formas e o verdadeiro amor nem sempre é entre duas pessoas que se encontram, depois odeiam, depois não conseguem ficar juntas e depois misteriosamente se encontram novamente e vivem felizes para sempre. Às vezes demora um pouco mais a conhecer a alma gémea ou os obstáculos simplesmente não são ultrapassáveis, o que não significa que o objetivo não tenha sido cumprido. 

Em Férias em Roma, as personagens de Audrey Hepburn e Gregory Peck são obrigadas a ficar separadas, sabendo que encontram um no outro o que procuravam no amor - uma exceção no panorama, já que é um filme de 1953. Em Guia Para um Final Feliz, apesar dos protagonistas ficarem juntos, lidam com problemas mentais e emocionais ao longo de todo o filme. Em Terminal de Aeroporto, o personagem de Tom Hanks regressa a casa sozinho. Em Amor de Improviso, a relação é criada entre o protagonista e os pais da sua paixão, e não com a própria. Em nenhum destes casos é alguma vez pensado que o amor não existe só porque o final não é aquele que esperamos. 

A evolução género vem também muito do que hoje sabemos que é o amor. É livre, chega de qualquer lado de não precisa ser obrigatoriamente entre um homem e uma mulher - pode acontecer entre pais e filhos, amizades francas, irmãos e irmãs, desconhecidos que cruzam caminho e, de alguma forma, mudam as suas vidas mesmo que não fiquem nelas. Hoje sabemos, porque fomos aprendendo com muitos filmes, muitas experiências e muitos livros, que as melhores comédias românticas nem sempre precisam estar cheias de clichés e estereótipos de mulheres que não sabem viver sem homens ou almas gémeas. As melhores são aquelas que continuam com o seu tom humorístico a mostrar-nos o lado bom e mau de estar apaixonado, os corações partidos e as relações que acabam quando o amor ainda existe. As melhores são as que vão encontrar a realidade, mas que também deixam lugar à fantasia, à imaginação e deixam uma romântica como eu continuar a sonhar com amores e reencontros impossíveis. 

As melhores mostram como fortes personagens femininas e masculinas encontram também um par romântico nos lugares mais improváveis.

Para Meg Ryan e Tom Hanks em You’ve Got Mail foi numa sala de chat em 1998, num mundo em que as salas de chat estavam ainda a ser descobertas. Numa Nova Iorque cheia de magia e milhões de pessoas, encontraram-se. Ela não precisava dele para ser feliz nem para ser realizada. Só que aconteceu. E quando o amor acontece, quem somos nós para o negar?