Quando Crazy Rich Asians dá um passo à frente, Death Note 2 dá 2 atrás
É um dos temas do momento: Crazy Rich Asians, uma comédia romântica aparentemente banal, está a quebrar recordes de bilheteira por ser o primeiro filme em Hollywood com um elenco totalmente asio-americano.
A história de Nick Young (Henry Golding) e Rachel Chu (Constance Wu) tem feito as delícias por todo o mundo porque finalmente demonstra como um argumento sobre uma família asio-americana pode (e deve) ser protagonizado por asio-americanos.
Crazy Rich Asians está para os asio-americanos como Black Panther está para os negros: filmes e histórias fortes, interpretadas por aqueles que se identificam com a cultura. Não há maquilhagem, não há caucasianos a fazerem-se passar por orientais ou ocidentalização das histórias; não há esteótipos nem personagens-tipo a que temos vindo a associar às minorias vezes e vezes sem conta. Há realidade, mesmo que exagerada.
Estes filmes seguem uma das mais atuais tendências em Hollywood, que é a possibilidade de representar minorias em papéis de destaque que vão além dos sidekics estereotipados. Va lá, quantos de nós não começamos a ver um filme de terror a dizer logo que o preto é o primeiro a morrer? Ou que o amigo asiático é de certeza o melhor da turma? É a isso a que estamos acostumados, mas para nós, caucasianos normais, é-nos igual – somos sempre o protagonista. E quando não somos, somos sempre mais fixes.
Ok, estou a generalizar, se bem que é uma generalização que não anda muito longe da verdade. Constance Wu, protagonista de Crazy Rich Asians, relembrou-nos que foram precisos mais de 20 anos para que surgisse uma série de TV centrada numa família asio-americana (Fresh Off the Boat, de 2015). E mais de 25 para que um filme que não tivesse o Jackie Chan ou parodiasse a cultura asiática contasse a história de uma família asio-americana.
Sempre que leio este tipo de declarações sinto-me estranha. Apesar de me orgulhar da minha capacidade cognitiva e de ter um pequeno John Lennon dentro de mim (naquela parte da paz no mundo e de que somos todos iguais), nunca pensei muito no assunto.
Pensem comigo (se forem caucasianos como eu, claro): genuinamente, algum de nós alguma vez saiu de um cinema a pensar “epa, estas pessoas são sempre representadas da mesma maneira. Gostava de ver um filme que me mostrasse que conseguem também ser protagonistas.”
Provavelmente nunca. Antes de todas estas discussões, eu estava mais preocupada com a desigualdade entre homens e mulheres e não com a falta de multiculturalidade – e é exatamente igual, e igualmente importante.
Até porque para mim, ler um livro ou ver um filme durante o processo de crescimento (e muitas vezes também em adulta) sempre me ajudou a conhecer-me melhor, a pensar sobre o que quero e onde posso chegar. As suas histórias serviram de influência à minha própria perceção daquilo que sou capaz – foram inspiração.
Mas e quando não temos essa inspiração? Quando tudo o que vemos igual a nós é considerado secundário, pequenos papéis sem importância ou que seguem sempre o mesmo género?
Wu dá-nos a resposta na mesma declaração: parafraseando Ava DuVernay, temos de tomar a decisão de construir as nossas próprias histórias. Mesmo quando nos dizem que não é possível, temos de começar do zero e mostrar a nossa realidade, como a vemos.
Ou seja, não podemos estar à espera que filmes sobre brancos, produzidos por brancos e para brancos sejam mais multiculturais.
Sobretudo porque percebo cada vez mais a importância de nos vermos representados. Quer queiramos, quer não, as formas de cultura continuam a ser o espelho da nossa realidade. Se mostrarmos um reflexo culturalmente pouco diversificado, vamos criar consciências sem sensibilidade para a diferença, e sem capacidade de compreender que os estereótipos não são sempre regra – até porque o preto pode até ser o mais inteligente do grupo e conseguir escapar do filme de terror.
Mas depois continuamos a ver também o inverso: na mesma semana em que Crazy Rich Asians quebra recordes, o Netflix anuncia a sequela de Death Note. O filme foi lançado em 2017 e é baseado numa anime e manga japonesas. Apesar de não ter sido consensual entre a crítica, diz-se que já está a ser escrito o argumento, sem previsão de estreia.
Para os que não conhecem, um pequeno resumo. Death Note conta a história de Light, um estudante japonês que encontra um livro com o poder de matar qualquer pessoa cujo nome seja escrito nas suas páginas. A história é baseada ainda na ideia do deus da morte japonês, que acompanha Light quando este decide tornar-se uma espécie de justiceiro.
A verdade é que não vi o filme. Conheço o anime, e talvez por isso me tenha feito confusão a americanização da história. O trailer, se bem que sem entrar em detalhes, parecia mostrar uma adaptação focada nos limites morais e éticos do conto com recalques ocidentais, esquecendo a questão cultural que lhe dá riqueza – e já nem vou entrar na escolha de elenco.
Crazy Rich Asians, tal como Black Panther, têm o condão de nos fazer questionar a realidade através de histórias banais. Fazem-nos questionar se não está na hora de limitar a ocidentalização de histórias e elencos como em Death Note quando não existe uma necessidade artística, e se não devemos antes concentrar-nos em contar as histórias como são, seja com pretos, brancos, amarelos, vermelhos ou arcoíris.
Esta discussão ainda pode dar água pela barba. Entre a verdadeira definição de apropriação cultural e representação cultural fidedigna, e a necessidade de não limitar as escolhas de produção, temos um longo caminho a percorrer. Durante o processo, muitos vão dizer que as produções não se podem limitar dessa forma, e os bons atores veem-se quando encaram papéis longe da sua realidade.
Mas a intenção está cá. Está na hora de encontrarmos o equilibrio.
E vocês, já assistiram a Crazy Rich Asians ou Death Note? Qual é a vossa opinião?