#RoadToTheOscars: Três Cartazes à Beira da Estrada merece tudo
Esta não será uma crítica convencional, muito em parte por culpa minha – é que só ontem consegui assistir a Três Cartazes à Beira da Estrada, e a esta altura do campeonato fazer uma crítica convencional parece parvo. Já foram ditas mil coisas, escritas mil críticas, e ganhos mil prémis (incluindo nos BAFTAS, domingo à noite).
Por isso, o que vou escrever é mais uma carta de amor do que uma crítica de cinema.
Naturalmente que terá sempre o seu paralelismo. Não deixa de ser uma opinião sobre um filme, mas é um filme que me está a ser dificil de quantificar ou avaliar. Porque há filmes que não são avaliáveis.
Quando assisti pela primeira vez a Foge! (cuja crítica, essa sim, podem ler aqui, imediatamente percebi o porquê de ser tão genial. Basta começarmos a assistir para perceber que todos os pontos se ligam, todo o argumento se mostra inteligentemente escrito, toda a ação brilhantemente montada. Tanto tecnica como emocionalmente, é um filme que conseguimos avaliar com certidão, mesmo com todas as opiniões que cada um de nós possa ter.
Três Cartazes à Beira da Estrada pareceu-me diferente. Porque não te dá um murro no estômago a cada reviravolta, ou te apresenta citações fantásticas em discursos épicos. É apenas cru, muito natural e altamente preto no branco, mesmo que se vejam todas as áreas cinzentas à sua volta.
Estão a ver como é difícil de descrever?
Normalmente os filmes que tenho dificuldade em descrever são aqueles que gosto mais. Isso acontece porque são também aqueles que mexem mais comigo, que ficam cá dentro mesmo depois de ter terminado de os ver. E posso até não ter achado nada de especial enquanto via, mas depois ficou cá dentro.
Acontece várias vezes, sobretudo quando Martin McDonaugh está por detrás da história. Ele tem uma visão muito peculiar das suas ações, carregadas de ritmo e diálogos rápidos. Quando comecei a ver Três Cartazes à Beira da Estrada até me pareceu um pouco deslocado daquilo que é costume ser de McDonaugh, mas enquanto mais via, mais encontra a sua identidade.
É que este é um filme sobre uma mãe, uma mulher, que não está disposta a dar-se por vencida. É a história de uma mulher que não olha a meios para atingir os fins, e que vai até ao fim do mundo para encontrar justiça para as causas que abraça.
Neste caso, para encontrar quem matou a filha.
Tendo isso é mente, esperamos camadas e camadas de emoções, desde revolta, tristeza ou arrependimento. E vê-mo-las todas, e sentimo-las, e percebemos perfeitamente onde é que aquela mulher vai buscar a força e vontade para continuar a lutar.
Quase que esperamos que seja um drama pesadão, cheio de lágrimas. Só que esse não seria um filme de Martin McDonaugh. Esse não seria um filme sobre uma mulher revoltada e triste, mas que não se deixa abater pelos que a rodeia.
Esse não seria Três Cartazes à Beira da Estrada.
O que este filme tem de tão extraordinário, e o que o argumento de McDonaugh tem de tão bom, é que nos traz essa história e essa emoção sem perder o humor, a revolta e a crueza da vida. Há laivos deliciosos de humor negro que não parecem despropositados mas que, pelo contrário, fazem todo o sentido.
Não é de louvar quando alguém consegue misturar humor e emoção de uma forma tão coesa?
São as personagens que nos fazem acreditar que, mesmo com todas aquelas camadas de dúvidas, incertezas e emoções, são reais. São tão reais que se fazem à vida, ganham juízo (ou perdem-no), tomam decisões estúpidas e outras acertadas. Vemos perfeitamente cada uma das suas ações a poder acontecer num qualquer Ebbing, num qualquer Missouri. Sem nenhum tipo de artifício.
Evitei nos últimos tempos ler críticas “a sério” sobre este filme, porque queria vê-lo e perceber o porquê de estar a arrancar tantos elogios. Li um ou outro comentário de pessoas que adoraram, e vi os prémios a serem entregues como se fossem cachorros quentes num jogo de futebol. Mas deixei-me ficar sem uma opinião formada.
Agora percebo o porquê deste fenómeno ter aparecido: é que Três Cartazes à Beira da Estrada é tão real, tão simples e tão inteligente, que quase que não estamos a assistir a um filme.
Esses são os bons.
Voltando talvez à comparação com Foge! (se bem que são dois filmes nada comparáveis), enquanto que esse é inteligente na forma como está construido e nos atrai pela mensagem por detrás, este capta a atenção por ter a mesma inteligência em nos mostrar as coisas como elas são. Duas formas de fazer cinema, ambas tão interessantes.
Mas o que Martin McDonaugh fez é cinema a um outro nivel. E a um nível a que todos deviamos assistir.