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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

#RoadToThOscars: Manchester by the Sea (2016), ou bolas, como é que não vi isto antes!

18.02.17 | Maria Juana

Sinopse: Lee Chandler (Casey Affleck) é um homem solitário que vive como faz-tudo num conjunto de apartamentos em Boston. Uma chamada inesperada obriga-o a regressar à sua terra natal, quando lhe revelam a morte do irmão. Em Manchester by the Sea, Lee é obrigado a confrontar os seus fantasmas, e a lidar com o facto de ser o novo guardião do seu sobreinho de 16 anos.

 

 

No dia em que este texto for publicado, eu já assisti a Manchester by the Sea há uma semana. Numa semana, faltaram-se as palavras e expressões para conseguir mostrar em texto tudo, ou muito, daquilo que este filme me fez sentir. Uma parte de mim acredita que não é possível, porque é difícil explicar por palavras quando algo nos toca profundamente; a outra está desejosa de falar sobre isto, de contar tudo, e de elogiar cada pedaço desta obra.

 

Sim, a uma semana dos Oscares, com ainda uns quantos filmes para ver, Manchester by the Sea tornou-se um dos meus preferidos na corrida. Bolas, tornou-se um dos meus preferidos do ano! Se o tivesse escrito antes de escrever o artigo Os Melhores de 2016... descontruídos, tinha levado o prémio de Melhor Filme de Todos os Dias. Estão a perceber como me sinto.

 

Acho que há duas razões principais para que Manchester by the Sea me tenha tocado desta forma: uma foi a forma como Kenneth Lonergan (argumentista e realizador do filme) decide contar a história. A outra foi a interpretação de Casey Affleck, que me levou às lágrimas. Literalmente.

 

Nada começa com uma história do caraças. O filme tem mesmo uma história dramática e pesada, que requer  todas as emoções que o elenco tem para dar. Entre o passado e o presente, passam momentos à nossa frente que nos cortam a respiração.

 

 

A mestria de Lonergan está na forma como escolheu contá-la. O que vemos a passar no ecrã são os acontecimentos do presente, explicados e contextualizados com as memórias que Lee tem do passado. No momento certo, no diálogo certo, no contexto certo, vamos conhecendo mais o que o levou a ser aquele homem amargo, infeliz e violento que vemos. Lonergan não deixa nenhuma memória ao acaso: ele planta-nos a dúvida, e continua a contar a história até chegar ao momento em que tudo faz sentido, e que nos deixa de cabelos em pé.

 

Há um equilibrio do caraças entre as duas partes do filme; quando chega o momento da revelação, é impossível ver o filme da mesma forma. E só é possível por Lonergan escreveu um argumento tão claro e equilibrado, que o permite.

 

O facto de Casey Affleck ser um ator do caraças também ajudou – e muito, se me permitem. Eu não sei se ele é mesmo o irmão talentoso da casa Affleck; o que sei é que merece todos os elogios que se lhe façam.

 

 

É que Lee não deve ser uma personagem fácil de interpretar. Ele é taciturno, apático, e muito solitário. No seu olhar, vemos um vazio que Affleck consegue transmitir na perfeição. Mas o melhor é que, quando olhamos para o seu passado, vemos exatamente o oposto: um homem alegre, realizado, feliz. A transição que o ator consegue fazer é tal, que nos faz acreditar piamente que aquela é a sua vida. O mesmo com Michelle Williams, se bem que de uma forma diferente, e não tão vincada.

 

Neste momento, vejo que já escrevi mais de uma página de processador de texto, e mesmo assim acho que não transmiti o que é que faz de Manchester by the Sea o melhor filme de 2016. Peguei superficialmente nas duas características que chamam a atenção, mas mesmo assim é pouco.

 

É que apesar dos momentos ais humorísticos ou leves permitidos pela personagem de Lucas Hedges (Patrick, o sobrinho de Lee), com as suas descobertas adolescentes, Manchester by the Sea é um filme cru e verdadeiro. Sentimos emoções verdadeiras, o vazio e o amor, a ausência e a presença constante. É como se cada pessoa que está presente, cada momento na história, pudesse ser passado na vida real.

 

Acredito que as palavras têm uma força inigualável. Elas permitem-nos transmitir para um papel, para o mundo, para um ecrã, para todo o lado, tudo o que nos vai na alma – menos a ausência. Isso, o vazio de emoções, só um olhar consegue demostrar.

 

E que olhar...

 

*****

O Amor Acontece… outra vez

17.02.17 | Maria Juana

A semana começou como tantas outras: eu tentei escrever 30 posts que já devia ter escrito, eu não tve tempo para ver filmes, eu não consegui fazer metade do que queria. Sim, tudo eu, que é o que importa. Mas, ao contrário das outras semanas, esta começou com uma notícia que mexeu comigo – porque nem sei como hei-de reagir.

 

Para os mais distraídos, foi anunciada esta semana a sequela de O Amor Acontece – aquele filme que toda a gente gosta de ver no Natal, e tem aquela cena super amorosa de um rapaz a ir a casa de uma rapariga e a fazer-lhe uma declaração silenciosa com muitos papéis. A notícia foi dada pelo próprio Richard Curtis, argumentista e realizador de O Amor Acontece.

 

Mas não é uma sequela como todos pensam. Não é um filme de duas horas, em que vamos ver uma história diferente, com atores diferentes, e tudo diferente. É na verdade uma curta de dez minutos, que tem estreia marcada para a televisão. O objetivo é simples: sabermos o que aconteceu às personagens, 14 anos depois do filme original.

 

 

Vamos por partes. Primeiro, é claro que esta notícia é boa. Esta não é uma sequela pensada para ganhar dinheiro (ou melhor, é, mas será doado para caridade) por um outro cineasta que se quer aproveitar da obra de Curtis. Trata-se do próprio Curtis, que juntamente com  sua equipa e o mesmo elenco, querem dar a oportunidade de perceber a evolução de todas as personagens, passados tantos anos.

 

Eu gosto disso. Gosto da ideia de revisitarmos o cenário por meros 10 minutos, porque é inevitável ficarmos com perguntas. Quem é que não quer saber se a Keira Knightley sucumbiu aquela bela declaração? Ou se a Aurelia e o seu inglês que aprendeu a falar português continuam na sua casa à beira rio?

 

Queremos saber tudo isso!

 

Liam Neeson eThomas Brodie-Sangster regressam ao mesmo banco em que falaram pela primeira vez da paixão do pequeno Sam por Olivia.

 

Sei que a magia de um filme, muitas vezes, está em não saber o que acontece a seguir. É por isso que o final de A Origem, um dos meus filmes preferidos de sempre, é tão perfeito: nós nunca saberemos se ele está ou não a sonhar. Tal como toda a história fez parte da imaginação de alguém, que a transpôs para o cinema, quando um filme chega ao fim cabe-nos a nós deixar a imaginação contar-nos o que acontece a seguir.

 

Por isso sim, esta sequela vai “estragar um pouco dessa mística.” Se mesmo assim acho que deve ser feita? Eu confio em Richard Curtis, por isso vou dizer que sim. Estou muito curiosa, e vou ser com certeza das primeiras a tentar ver esta obra, já no dia 24 de março, na BBC1. Bem, ao menos vou tentar!

Os críticos de cinema, esses seres vis e cruéis

08.02.17 | Maria Juana

Lembro-me a primeira vez que senti nos ombros a responsabilidade de ter de escrever uma crítica de cinema (que é como quem diz, a minha opinião sobre um filme). Estava a estagiar numa revista de cinema (sim, daquelas impressas e que se vendiam em papelarias), e apercebi-me que a minha opnião podia fazer com que alguém visse ou não o filme.

 

Até aí, só o tinha feito por diversão e paixão – um pouco como faço agora. Mas naquele momento fazia parte da minha responsabilidade profissional, e como “profissional”, estava a custar-me para caraças. E se não o estivesse a fazer da melhor forma? E se não focasse aquilo que as pessoas queriam mesmo saber? E se ninguém concordasse comigo?

 

Acabei por fazer aquilo que ainda hoje faço: via o filme, e escrevia sobre ele. Escrevia sobre tudo aquilo que gostava, o que não gostava, e o que me fazia sentir. Adiciona uma frase aqui ou ali, um pouco de contexto, e acho que na maior parte das vezes resultava.

 

Mesmo antes de ter esse peso nos meus ombros, sempre achei o papel crítico um epiteto ingrato. Para muitos, são elitistas que destroem blockbusters e filmes de super-heróis; para outros, snobes que só gostam de filmes estrangeiros e conceptuais, que o mais comum dos mortais não consegue perceber. A figura é raramente vista como uma pessoa normal, e até os atores os responsabilizam pelo insucesso dos seus filmes.

 

Apesar de não gostar dessa visão tão distorcida e negativa (bolas, é péssima para quem gosta de escrever sobre filmes!), às vezes dá-me vontade de concordar. Mais do que isso, apetece-me pegar em alguns ditos críticos, espetá-los numa sal,a e obrigá-los a ver DragonBall Evolution, Batman & Robin e Kod Adi K.O.Z. (o filme com pior classificação no IMDB) em loop durante sete dias. Sem pausas, e com muitas pessoas a comer pipocas à sua volta (de certeza que detestam).

 

O problema não são as críticas negativas a filmes de que gostámos um pouco (como aconteceu recentemente com La La Land). São sim aquelas críticas que quase percebemos que são negativas porque o filme atrai as massas, porque é simples, e porque não tem uma história tão filosófica e trabalhada quanto a que a maioria os críticos intelectuais gostam.

 

Eu gosto de ler críticas de cinema. Às vezes, são as opiniões destas pessoas que me fazem pensar de forma diferente sobre um filme, mesmo depois de ver o filme. Por vezes, podemos encontrar novas perpetivas sobre um filme de que até não gostámos, ou apena tomar atenção a detalhes que nos passaram despercebidos.

 

Mas não gosto quando os filmes são estupida e maldosamente criticados apenas por serem o que são. Eu gosto de filmes simples, apenas pelo puro prazer de assistir a um filme; gosto de histórias bonitas, e não lhes tiro valor só porque parecem um pouco mais “banais.” É por isso que me custa quando um qualquer engraçado acha que pode denegrir um filme porque não corresponde aos standarts que um qualquer achou que todos os filmes deviam ter.

 

Eu já fiz críticas negativas a muitos filmes. Numa crítica com 10 linhas, consegui escrever tudo o que estava de errado com um filme em 9. Há filmes que merecem.

 

Se isso é porque tenho os meus standarts muito em baixo? É possível. Também pode ser porque eu gosto de Cinema, não apenas pelos filmes que foram criados para serem vistos por quatro pessoas, mas porque gosto de me embrenhar em histórias e sensações. Também pode ser porque gosto mesmo de filmes maus, da mesma forma que gosto de filmes muito bons – são manias.

 

Só não gosto quando dizem que é mau porque não gostam. Isso é feio. E existem formas de se dizer que não se gosta, sem dizermos que algo é feio. Ou vamos dizer à nossa avó que a prenda que nos ofereceu no Natal é má e feia só porque não gostamos? Não, damos a volta a questão, e deixamos que seja ela a perceber que se calhar não era a prenda ideal.

 

Vamos tentar fazer isso com os filmes?

#RoadToTheOscars: O Primeiro Encontro (2016) – Isto não é uma história de aliens

07.02.17 | Maria Juana

Sinopse: Quando doze objetos não identificados chegam à Terra, as forças especiais unem forças para tentar descobrir as suas intenções. Do lado norte-americano, Louise Banks (Amy Adams), uma especialista em linguística, é chamada para tentar decifrar a linguagem dos seres alienígenas que habitam cada objeto. O que descobre é muito mais do que uma nova língua.

 

 

Desde que estreou nos cinemas que O Primeiro Encontro tem suscitado curiosidade e muitas críticas positivas. Eu vou ser honesta: quando vi o trailer pela primeira vez, pensei que fosse mais um filme sobre aliens. Foi com a chegada de opiniões, e mutas coisas boas a acontecer à volta do filme, que pensei “bem, alguma coisa de especial tem de ter.”

 

Por isso, nesta minha maratona pré-Óscares, este filme não podia faltar. A razão são as oito nomeações para os prémios, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento. E sim, merece-as.

 

Primeiro, porque afinal O Primeiro Encontro é um pouco mais profundo do que um filme sobre aliens. Não que isso seja necessário para que a ficção científica seja nomeada; a questão é que está de tal forma bem construído, que só nos apercebemos disso já quase o filme está no final.

 

Eu gosto de surpresas, por isso, esta é daquelas surpresas que faz de um filme bom algo de extraordinário.

 

Ao longo da ação, vamos conhecendo muito das opiniões e formas de estar de Louise. Ela é a principal ponte entre os norte-americanos e os heptapodes (como chamam aos seres de outro planeta), mas também aquela que nos faz perceber um pouco mais sobre a natureza humana.

 

 

Conforme ela vai descobrindo mais sobre os heptados, descobre sobre a sua própria vida, e nós vamos refazendo as nossas decisões e opções feitas hoje, e que serão feitas no futuro.

 

Aqui, o futuro é crucial. Será que as nossas decisões seriam as mesmas se conhecessemos o futuro? Será que mudávamos as nossas experiências, e evitávamos a dor.

 

O melhor de O Primeiro Encontro é que faz todas estas questões, sem nunca surgirem formuladas. O argumento está tão bem montado, a direção tão bem estruturada, que (quase) nada ao longo do filme nos indicía a que este seja o verdadeiro cerne da história (e digo quase porque, depois de assistirmos, ligamos todos os pontos e tudo faz sentido).

 

Como gosto de filmes assim, que mascaram questões e nos fazem ver até ao fim para percebermos porque é que é tão bom!

 

Se bem que uma das coisas mais criticadas desta award season seja a ausência de uma nomeação para Amy Adams. Ela é, sem dúvida, a estrela entre um elenco que conta (muito bem) com Jeremy Renner e Forest Whitaker. Consegue dar-nos a ideia de que estamos perante uma mulher frágil e solitária, que se vê perante uma difícil escolha, e a toma sem problema.

 

 

Se merecia a nomeação? Talvez. De entre as nomeadas, penso que seja a que tem a prestação mais “apagada,” se bem que perfeita para o tipo de filme e história que é.

 

É um caso bicudo. Lá está: O Primeiro Encontro é um filme super completo, e acima de tudo muito bem feito. Tem uma história do caneco, e deixa-nos com questões muito mais profundas do que aquelas que julgavamos possíveis num filme sobre aliens. E a atriz principal é totalmente perfeita para a personagem, e a sua abordagem é perfeita para a história.

 

O que é falta para sair vitorioso? Saberemos dia 26.

 

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#RoadToTheOscars - Moonlight (2016): a história à luz da lua

02.02.17 | Maria Juana

Sinopse: Little, Chiron e Black. Três capítulos sobre a mesma pessoa. Percorremos a sua vida, desde o momento em que é um rapaz que vive num bairro problemático de Miami, até à idade adulta. Pelo caminho, vemos a sua luta em tentar compreender quem é, e qual é o seu lugar no mundo.

 

 

 

Quando comecei a ver Moonlight, não conhecia a sua história. Sabia apenas que era um dos filmes mais elogiados de 2016, e que estava a arrebatar a crítica em todo o mundo. Por vezes, gosto de ver filmes assim, sem qualquer noção daquilo que vou encontrar. Na maioria das vezes sou surpreendida - e foi exatamente o que aconteceu em Moonlight.

 

Moonlight é um filme sobre o crescimento e o autoconhecimento. É um filme em que percebemos como é que tudo o que vivemos nos influencia, e como nos transforma. E é também um filme em que percebemos como os outros, mesmo quando não querem, conseguem moldar-nos.

 

Sobretudo enquanto crescemos.

 

Baseado, em parte, nas vidas e experiências de Tarell Alvin McCraney (o autor da peça que deu origem ao filme) e de Barry Jenkins, o realizador, Moonlight é, acima de tudo, muito real. Lida com a descoberta sexual, com a discriminação e com o bullying, e em tudo o que nos faz fechar sobre nós próprios, e seguir um caminho que pode não ser o melhor - e quando o é, nunca o vivemos em toda a sua plenitude.

 

Não que os dois autores hoje passem por isso. Porém, é o facto de sabermos que sim, tudo isto pode acontecer, que dá a Moonlight uma forma ainda maior do que aquela que nos apercebemos ao início.

 

 

 

Dividido em três capítulos diferentes, que destacam três fases diferentes da vida do protagonista, Moonlight segue uma linha narrativa que não é tão delineada como os filmes a que estamos acostumados. É uma linha muito simples, muito fechada sobre cada capítulo, mas que nos permite, enquanto espectadores, concluir o que é que aconteceu entre um e outro, e tudo o que fez Chiron ser quem é.

 

Para mim, essa é uma das vertentes mais interessantes do filme. Apesar de ter uma história muito fechada sobre si mesma (cada capítulo centra-se apenas em alguns dias-chave), é ao mesmo tempo muito aberta.

 

A nossa tarefa de puzzle makers fica facilitada, não só porque o argumento é muito consistente e está brilhantemente dirigido, mas também porque cada interpretação nos faz conhecer mais da personagem do que as suas ações. Por esses prémios fora, o destaque está a ir para Naomi Harris (aqui no papel de mãe de Chiron) e Mahersala Ali, uma figura que surge na vida de Chiron e lhe dá a mão que precisa.

 

São distinções mais do que merecidas. Apesar de nenhum deles ter muito “tempo de antena”, chamemos-lhe assim, é inegável que conseguem transmitir todo o peso que têm na história, e toda a sua importância, sem para isso termos de fazer grandes ginásticas mentais.

 

 

 

Quando terminamos de ver Moonlight, parece que essa força, e a mensagem que nos transmite, ganha um novo significado. Apesar de já sabermos que o amor não tem género, idade ou raça, poucas vezes pensamos em como aquilo que somos é também definido pelas pessoas que amamos, e pela forma como somos amados. Às vezes, só precisamos de alguém que nos diga que somos importantes.



Em Moonlight, vemos tudo isso a acontecer à nossa frente. E como Ali disse ao receber o prémio de Melhor Ator Secundária na última gala dos SAG Awards (os prémios do sindicato de atores norte-americano), “O que aprendi ao trabalhar em Moonlight é o que acontece quando perseguimos alguém. Fecham-se sobre si mesmos.”

 

Falta a liberdade de sermos em queremos.

 

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Ir ao Facebook no cinema já é demais, não?

01.02.17 | Maria Juana

Pensei muito antes de escrever este texto. Falei com algumas pessoas, para ter a certeza que o problema não era apenas meu. É que eu tenho noção que, para mim, ir ao cinema é uma experiência transcendente, em que gosto de estar somente eu, o filme e as possíveis emoções que me transmita. E isso faz com que possa ser muito picuinhas.

 

Por isso, pensei muito. Refleti, tentei distanciar o meu comportamento daquele que é o senso comum, e cheguei a uma conclusão: não, o problema não pode ser só meu.

 

Achei que era boa ideia ir assistir a Silêncio (cuja opinião já podem ler) numa tarde de sábado chuvosa. Além disso, escolhi uma das salas de cinema mais concorridas de Lisboa. A sala estava com uma lotação generosa, por isso eu já tinha noção de que poderia ter de lidar com alguns comportamentos que não vão ao encontro daquilo que gosto de experienciar numa ida ao cinema.

 

Mas até aqui tudo bem. Ao longo dos anos aprendi que viver em sociedade implica respeitar que as outras pessoas podem (e devem) ter opiniões e comportamentos diferentes dos meus, logo, estava preparada para isso. Porém, há limites para tudo nesta vida.

 

Tudo começou quando me sentei no meu lugar. O marcado, na última fila, como gostamos. Ao meu lado, um casal já estava sentado, a preparar-se para a sessão. A senhora comia, mas nada que fizesse barulho. Um ponto a favor.

 

Eu estava genuinamente satisfeita, porque pela altura dos trailers não tinha muitas vozes à minha volta, ou pipocas a serem devoradas como se alguém estivesse há quatro anos sem comer. Mas tudo o que é bom acaba: a senhora ao meu lado achou por bem trazer um saco de pipocas DE PLÁSTICO para um filme chamado Silêncio.

 

Como já disse, eu já aprendi a tolerar muitas coisas, porque sei que nem todos são como eu. O barulho das pipocas foi uma dessas coisas, até porque já aconteceu dar-me a fome a meio de um filme, e pipocas são mesmo a única coisa mais silenciosa que há para comer nesses sítios. Mas plástico??? Pacotes que fazem barulho só de pegar neles, quando mais a pôr e a tirar dentro da mala??

 

Não, não fiquei satisfeita, mas tentei respirar fundo. Minutos mais tarde, do meu lado esquerdo faziam uma versão comentada do filme. Foi como se tivesse ligado a opção “Comentários do Realizador” num DVD. Voltei a respirar fundo.

 

A gota de água foi quando comecei a ver uma luz no meu canto do olho. Estava a incomodar, porque estava muito próxima. Era um brilho intenso, que tentava chamar-me a atenção. Olhei por meros segundos, só para saber de onde vinha. Querem saber o que era? Era um senhor a ir ao Facebook em pleno filme!

 

Bolas, no Facebook? Eu sei que Silêncio não é um filme fácil de ver; eu própria me senti tentada a fechar os olhos um ou outro segundo. Mas Facebook?

 

Senti-me desrespeitada. Não só porque paguei quase sete euros para assistir a um filme, e alguém decide incomodar os meus olhos porque quer ver as fotos dos amigos à lareira, mas porque senti um perfeito desrespeito pela experiência em si.

 

Eu sei, para mim, ir ao cinema é um momento sagrado; para muitos, é mero entretenimento. E foi apenas isso, e a noção de que a minha liberdade acaba onde a do outro começa, que me fez não me virar para o senhor e perguntar se queria também uns auscultadores para ver os vídeos de gatinhos.

 

Não, não temos todos de ter os mesmos comportamentos. No entanto, acho que deixamos de olhar para as nossas ações como algo que tem consequência na vida dos outros, e passamos a pensar neles apenas como as nossas ações, e que só a nós nos dizem respeito.

 

Sinto que o conceito de liberdade se diluiu desde o momento em que os nossos familiares tiveram de lutar por ela. Agora, liberdade é fazer o que me apetece, e ai de quem me diga que não posso estar no Facebook dentro de uma sala de cinema.

 

Pois eu digo que não, não podem. Porque ao vosso lado por estar alguém a gostar mesmo do filme, e a quem a luz penetrante do vosso ecrã vai chamar a atenção.

 

Agora pensa.