#RoadToTheOscars - Silêncio (2016): a opinião de uma orgulhosa portuguesa
Sinopse: Rodrigues (Andrew Garfield) e Gadupe (Adam Driver) são dois padres jesuítas portugueses que se voluntariam para ir ao Japão com duas missões: propagar a fé cristã, e saber onde está o seu mentor, Ferreira (Liam Neeson). Isto numa época em que o governo japonês proibia o Cristianismo, e perseguia qualquer cristão que se insurgisse.
Não foi um filme fácil de produzir: Martin Scorsese precisou de mais de duas décadas para conseguir trazer para o grande ecrã a adaptação do romance de Shūsako Endō, escrito em 1966. Houve mudanças de elenco, algumas divergências de produção e entraves vários, mas 2016 marcou o ano do seu lançamento – mesmo a tempo da época de prémios.
Só o facto de ser um novo filme de Scorsese é motivo para dar uma oportunidade. Sabendo que se trata da história de jesuítas portugueses, e que a cultura portuguesa seria com certeza muito pungente, a curiosidade aumentou. Pena que a sua nacionalidade e nome fossem as únicas coisas portuguesas.
Assistir a Silêncio é uma experiência... diferente. Temos de ter em atenção que é um filme religioso, em que a sua principal premissa passa por questionar a fé e o seu poder nos protagonistas. Por isso, pode ser pouco interessante para quem não tenha qualquer interesse neste tipo de tópicos.
Porém, aquilo que mais chama a atenção é, sem dúvida, a cinematografia. As paisagens em Silêncio fazem o filme, e o jogo de luzes, entre a escuridão e o dia, são de tirar o fôlego. Talvez por isso tenha sido o Óscar para Melhor Cinematografia a única nomeação que o filme recebeu na edição de 2017.
Porque, além disso, não há muito mais por onde pegar. É claro que o toque de mestre de Scorsese está muito vincado, sobretudo na ausência de som e banda sonora que nos ajudam a compreender o silêncio que os protagonistas sentem. Existem cenas que de facto nos deixam surpresos e espantados pela forma como estão filmadas e editadas, e isso só é possível porque estamos perante a obra de um mestre.
Mesmo assim, o restante fica aquém das expectativas. A ação parece ser um pouco desconectada, e apesar de seguir uma linha muito bem delineada, parecem existir demasiados interlocutores. Não existe um momento que nos faça saltar da cadeira com a surpresa, ou que nos leve a pensar que há algo de fantástico neste filme. O dilema religioso acaba por abafar as restantes temáticas – principalmente a perseguição aos cristãos.
Apesar das interpretações serem muito bem conseguidas (sobretudo Garfield, que segue uma viagem muito emotiva), não deixam de soar a falsas e artificiais. Porquê? Porque todos tentam fazer um sotaque português falhado, e de latinos têm muito pouco.
Todos sabemos que um filme com legendas nos Estados Unidos tem logo metade das audiências. É um desafio, e talvez tenha sido por isso que Scorsese tenha optado por um elenco totalmente americano para interpretar personagens latinas. Apesar dos esforços para incorporar algumas palavras portuguesas (padre, Deus, os nomes das personagens), não soam a autênticas.
Talvez seja por eu ser portuguesa que estas questões me fazem comichão. É que, para o bem e para o mal, eu tenho muito orgulho em ser portuguesa, e tenho muito orgulho que um cineasta como Scorsese tenha escolhido uma história do nosso país para fazer um filme. Esse orgulho cai um pouco quando vejo atores japoneses a interpretar personagens japonesas, e depois vejo sotaques estranhos a imitar alguém do meu país.
É uma questão prática, claro. Mas não deixa de soar a... menos verdadeiro. Americanos a pronunciar “padre” e “Deus” não têm a mesma força; a enrolar os erres quando tentam chamar “Francisco” ou “Rodrigues” parecem parvos. E se Scorsese queria algo autêntico, falhou o objetivo.
Silêncio acaba por se tornar mais promessa do que outra coisa. É um bom filme, que com certeza para os cristãos terá um significado diferente do que aquele que teve para mim, assumida agnóstica. Mas sabe a (muito) pouco.
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