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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

20 anos de Fight Club, 20 anos do melhor filme de sempre

24.10.19 | Maria Juana

A forma como olhamos para o Cinema é sempre mais ou menos linear. São histórias, são formas de entretenimento que vemos com gosto e satisfação. Às vezes rimos, outras choramos e chegamos até a levar pontapés no estômago quando somos confrontados com a realidade escura e fria que é o mundo. Depreendemos que, a bem ou a mal, o Cinema é sempre este espelho da realidade que se tornou veículo de mensagens, ideias e princípios. Uma forma de cultura, no fundo.

Fight Club começou como livro, nas mãos de Chuck Palahniuk, e só dois anos depois do seu lançamento é que foi lançado como filme realizado por David Fincher. Já em livro tinha sido a raiva escondida de uma geração presa a uma sociedade consumista, sempre levada a comprar mais e mais, uma geação insatisfeita com a sua existência. A sua transposição para filme elevou tudo isso ao quadrado, juntando o toque visual que precisava e na altura certa: o fim do milénio, quando todos achavam que o mundo ia acabar ao tocar as 12 badaladas de 31 de dezembro de 1999.

Dois meses antes do fim do mundo aparece este filme meio dark, meio estranho, com um elenco meio romântico, meio estranho, que traz cá para fora toda a angústia e receios que esta geração tinha tentado esconder durante toda a década.

Por esta altura eu ainda passava os tempos livres a ver filmes da Disney. Já tinha visto o meu primeiro filme no cinema e já vivia fascinada por este mundo de salas escuras com baldes de pipocas e um ecrã gigante à minha frente, mas apreciava mais os desenhos animados do que as histórias filosóficas.

Também não sabia nesta altura que tinha estreado um dos filmes que mais moldou a minha forma de lidar e pensar nesta arte. Foram precisos muitos anos e muitos filmes para que percebesse em toda a sua plenitude o que isto do Cinema tem, este seu poder de nos fascinar e moldar ao ponto de mexer com as nossas entranhas - nem o Harry Potter tinha tido esse poder.

 

Para mim, Fight Club foi a ponta de um iceberg que há muito queria explodir. Está no pico da adolescência revoltada, quando queremos salvar o mundo dos mauzões e vilões de fato bons-falantes que elegemos. Estava naquela fase em que tudo me parecia produto da revolução consumista, em que tudo merecia uma manifestação e uma luta pelos nossos direitos. Também estava na fase da Geração à Rasca, aquela que sabe que o seu futuro não vai ter tudo aquilo que lhe foi prometido e está muito, muito chateada.

É claro que Fight Club teria algum tipo de influência numa jovem impressionável com eu, era impossível não ter. Ainda assim, o que mais me chocou foi a compreensão de que a forma como um filme é dirigido e interpretado faz toda a diferença.

Foi com o trabalho de David Fincher que comecei a perceber que isto de fazer filmes não é só pegar numa câmara e gravar a peça de teatro que está à nossa frente. Foi com ele e com o seu Fight Club, com o elenco que escolheu e com esta história tão exaltante, que me apercebi que existem estilos, ângulos, cortes, cinematografias e argumentos que fazem toda a diferença, e que marcam um filme de tal forma que a sua mensagem poderá ser completamente diferente quando transmitida por duas pessoas.

Fiquei impressionada com a forma como lidou com a raiva contida e exaltada que havia na história. Abri a boca de espanto quando vi as peças do puzzle encaixarem de uma forma, quando a luz bateu num cara e não na outra, quando a câmara pulou de um lado para o outro, tal como eu queria ter pulado. Deixei-me colada à cadeira quando acabou e tudo fazia sentido, tudo estava certo, bonito e encantado na minha cabeça. Tinha acabado de ver o melhor filme que alguma vez tinha visto.

Desde então já vi mais filmes, alguns deles muito bons e com este olhar mais atento. Já tive a oportunidade e a sorte de ver filmes como se fosse esta primeira vez, em que me impressiono com tudo o que está à minha frente. Mas este continua a ser o melhor filme de sempre.

Já tentei várias vezes tentar pôr no papel porque é que o acho assim. Escrevi argumentos, tentei montá-los e criar um texto coerente só que me falha sempre a palavra.

Acredito que seja porque foi o meu primeiro amor, e tive a sorte de ter um primeiro amor tão forte e potente. Não há dúvidas de que Fight Club é tecnicamente um filme bem conseguido. Além de ter uma realização de génio e um argumento bem escrito e delineado, as suas interpretações são de cortar a respiração de tão intensas que se tornam. Toda a história é intensa e ainda assim conseguimos navegar suavemente, ficando chateados com eles mas também reconhecendo a sua loucura a cada passo.

Só que para mim foi aquele abrir de olhos que estava à espera e que ainda hoje olho com reverência. Além de toda a parte técnica e cinematográfica, deslumbrou-me o Cinema e o poder que pode ter.

Ainda não sei se foi desta que consegui deitar cá para fora tudo o que vai cá dentro. Uma coisa é certa: já passaram 20 anos. 20 anos do melhor filme de sempre.

Obrigada!