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Fui ao Cinema... E não comi pipocas!

As aventuras e desventuras de uma miúda que se alimenta de histórias cinematográficas.

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Sobre Nina, e uma Hollywood mais branca do que preta

04.12.17 | Maria Juana

Em 2016, a polémica estalou em Hollywood: com o lançamento do primeiro trailer do filme Nina, sobre os últimos anos de vida da cantora Nina Simone, descobriu-se que a atriz Zoe Saldana teve de utilizar maquilhagem e prótese para interpretar a protagonista. A sua pele era demasiado clara comparada com a de Simone, e o seu nariz muito pequeno - o que não impediu os produtores do filme de a escolherem. 

 

Com o lançamento do filme, vários foram os nomes que vieram dizer que não aceitavam a escolha de Saldaña para o papel. Notícias foram escritas, e grupos de Facebook a pedir o boicote ao filme surgiram, sem nunca comprometer o lançamento do filme. Atores juntaram-se e apoiaram Saldana, outros ficaram no silêncio. 

 

Na altura, sem conhecer o trabalho e vida de Simone, e sem ver o filme, não percebi bem o porquê da polémica. Claro que percebia que a utilização de maquilhagem poderia ser dispensada se tivesse sido escolhida uma atriz com uma pele mais escura e mesmo com ascendência africana (Saldaña é latina). Porém, sempre pautei por preferir discutir um assunto só depois de conhecer todos os factos - e isso implicava ver o filme. 

 

Tive a oportunidade de o fazer recentemente, quando estreou nos canais TV Cine. Assiti a Nina pela primeira vez, e pela primeira vez descobri um pouco de quem era Nina Simone. 

 

Não posso dizer que não tenha percebido o porquê das críticas. 

 

 Zoe Saldana no papel de Nina Simone.

 

O filme, enquanto obra cinematográfica, deixa muito a desejar. O argumento tem várias falhas, daquelas que nos fazem pensar que os acontecimentos são como folhas que atiramos ao ar, e que não têm qualquer ligação entre eles. Os personagens são pouco desenvolvidos, e perdem a força por causa disso. É um filme fraco, que nos deixa a pedir muito mais, e que acredito que não faça o jus necessário à obra e vida de uma artista como Simone. A própria relação que a artista partilha com o seu secretário Clifton Henderson (David Oyelowo) não fica bem percecionada, o que é uma pena.

 

Até porque, supostamente, era aquela relação na qual o filme se devia focar. Mas está tão pobremente construído, e tão confuso, que nunca chegamos a saber a motivação de ninguém, nem a sua importância nos acontecimentos que se seguiram. 

 

Mas há uma coisa muito poderosa neste Nina: a ideia de que a mulher negra tem tanto direito a ser vista, adorada e venerada quanto o homem branco. 

 

Sobretudo nos últimos anos, têm-se multiplicado os discursos sobre a representação feminina no cinema, e ainda mais  das mulheres de cor. Às vezes acho que os discursos que vemos nas redes sociais são exagerados - não porque não têm razão, mas porque depois, quando existe um caso como o de Nina, as críticas são multiplicadas a maioria das vezes sem razão.

 

Só que depois vi Nina. 

 

Não há dúvida de que, sem conhecer a figura de Nina Simone, me parece que Zoe Saldana faz um papel do caraças. Ela entrega-se a esta representação, e percebo porque é que a produção achou que ela fosse ideal. Ela dá em personalidade de entrega aquilo que lhe falta no corpo, e o corpo é fácil de corrigir, não é?

 

Então, que mal faz um pouco de maquilhagem e uma prótese?

 

Faz mal porque Nina Simone era orgulhosa da sua cor, da sua ascendência e da luta dos seus direitos. Era fervorosa apoiante de Martin Luther King, e as suas canções eram reflexo das suas ideias de valores. 

 

Não escolher uma atriz negra para desempenhar o seu papel, quando tantas existem, é insultuoso para esses valores que transmitia. 

 

 Nina Simone, numa imagem de arquivo.

 

Não deixa de ser importante colocar uma questão: mas se Zoe Saldana desempenha o papel tão bem, porque é que não merece a oportunidade de o fazer? Se de entre tantas outras atrizes foi a que melhor interpretou Simone, não será isso mais importante do que o seu corpo?

 

Uma parte de mim diz que sim. Acho que, acima de tudo, os atores devem conseguir desempenhar um papel de acordo com a personalidade da personagem, e a mensagem que tem de transmitir. Não me importo que uma personagem loira vire morena, ou que um magro fique gordo. 

 

Em condições normais, a escolha de Zoe Saldana parceria-me mais o que adequada. 

 

Só que neste caso há que ter em conta a pessoa que Nina Simone era, e aquilo que pregava. Se havia orgulho na sua pele e na sua cor, no seu corpo e formas, faz-me sentido que essa escolha também tivesse refletida na pessoa que a interpretava. O seu corpo também faz parte da mensagem e da sua personalidade. 

 

Provavelmente, se o filme estivesse melhor produzido, a questão não se colocava. Até porque Nina não é tanto sobre a vida da cantora, mas sim sobre a relação que teve com o seu secretário. Só que tudo se mistura, e deixa de fazer sentido. 

 

Em Hollywood, como no resto do mundo, ainda há muito para evoluir. Mas também nos cabe a nós, enquanto espectadores, ter um olhar crítico sobre cada uma destas questões. E quando vemos um filme que possa ser polémico, nós temos também de perceber se a polémica faz sentido, ou se é apenas mais um exagero das redes sociais.

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